STAR "X"

A Educação Física na Escola

AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA

Saiba como desenvolver as aulas de educação física nos grupos EJA (Educação de jovens e adultos)
Estudantes devem perceber o próprio físico e a complexidade de seus movimentos.
Recreação ou a reflexões simplistas sobre a qualidade de vida não devem ser o foco.
Abril.com.br
Aulas de Educação Física para turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) são obrigatórias e importantes? A resposta para a pergunta é sim, embora muita gente ache desnecessário trabalhar as questões corporais quando a preocupação maior deveria ser aprender a ler, escrever e fazer contas.

A presença da disciplina na grade curricular é prevista desde 2001 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e facultativa para estudantes que trabalham, têm filhos ou são maiores de 30 anos, e oferecida em algumas escolas fora do horário regular - fatores que contribuem para marginalizar o estudo das práticas corporais.

"O físico adulto não é imutável ou um amontoado de partes. Está em constante movimento e forma um sistema integrado com o ambiente e a cultura, tal como o infantil. Não há motivo para deixar de estudá-lo e explorá-lo na EJA também", afirma Marcos Neira, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para planejar as aulas, inclusive as teóricas (que têm prioridade na EJA), é fundamental levar esses pontos em consideração. "Além de ajudar o aluno a se ver como sujeito histórico, é preciso dar meios para ele perceber a diferença entre esforço e movimento, por exemplo. São questões a ser discutidas antes das técnicas específicas, como ensaiar o drible no futebol", explica Lorita Maria Weschenfelder, professora do curso de Educação Física da Universidade de Passo Fundo (UPF).

Fica claro que a disciplina não pode se resumir à recreação ou a reflexões simplistas sobre a qualidade de vida. O professor tem de atuar de maneira intencional, fornecendo subsídios para que os estudantes ressignifiquem o que já conhecem sobre as práticas corporais e desenvolvam novos entendimentos sobre o corpo humano. Confira as três principais estratégias didáticas para colocar tudo isso em prática.

Pesquisa do movimento

Situação que busca responder, com base em observações e estudos, as questões relacionadas aos gestos que fazem parte do cotidiano e aos que são planejados sistematicamente (os exercícios físicos) e ao modo como aparecem no dia a dia do grupo. Isso permite aos estudantes perceber as diferentes culturas corporais desenvolvidas na sociedade e como podem participar delas. Ao perceber o medo de envelhecer sentido pelos alunos do Centro Educacional Sesc Ler, em Gurupi, a 243 quilômetros de Palmas, o educador Iron Lisbôa Júnior propôs que eles estudassem as mudanças do corpo no decorrer da vida e quais as práticas físicas adequadas à terceira idade. "A pesquisa fez com que compreendessem que as mudanças do corpo e de desempenho é algo natural e que se exercitar continua sendo importante e possível", ele explica.

Experimentação das práticas corporais

Proposta para que os alunos entrem em contato com práticas novas ou revivam as que já conhecem (jogos, esportes, danças, lutas e ginástica) de modo consciente a fim de refletir sobre as condições do corpo ao realizá-las: quais membros são mais requisitados? É preciso força ou velocidade para realizar os movimentos? Nessa situação, é importante ter o cuidado de não excluir ninguém e saber lidar com a vergonha e o medo de errar de alguns estudantes. Kenya Barbosa, professora da EE Neidson Rodrigues, em Belo Horizonte, apostou em danças variadas para reunir a turma toda na atividade. "Todos dançaram em pares e cirandas tradicionais", ela conta. Para que a prática dê certo, é fundamental informar aos alunos com antecedência a importância de trajar roupas confortáveis e providenciar que todos interajam, independentemente da idade, o que permite perceber o próprio corpo em comparação com o dos outros.



Análise de atividades corporais

Dinâmica que propõe avaliar diversos movimentos em relação a suas especificidades e a seus benefícios. "A turma é bombardeada constantemente com informações sobre a importância do esporte para a vida, mas geralmente não tem conhecimento para diferenciar o que é importante do que é essencial e por quê", explica Jussara Paim, coordenadora da Educação de Jovens e Adultos da Escola Ilha de Vera Cruz, na capital paulista. Estudar a validade dos exercícios para melhorar o desempenho profissional, por exemplo, é uma das possibilidades de foco dessa proposta. Na instituição, como muitos estudantes trabalham realizando movimentos repetitivos, os professores de direcionaram a análise para as atividades que pudessem minimizar os problemas causados pelas repetições constantes, como o alongamento. "Os alunos precisam compreender o que vão fazer antes de praticar os exercícios físicos e a finalidade deles", argumenta Jussara.

Por Bianca Bibiano

Saiba como desenvolver as aulas de educação física nos grupos EJA (Educação de jovens e adultos)
Estudantes devem perceber o próprio físico e a complexidade de seus movimentos.
Recreação ou a reflexões simplistas sobre a qualidade de vida não devem ser o foco.
Abril.com.br
Aulas de Educação Física para turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) são obrigatórias e importantes? A resposta para a pergunta é sim, embora muita gente ache desnecessário trabalhar as questões corporais quando a preocupação maior deveria ser aprender a ler, escrever e fazer contas.

A presença da disciplina na grade curricular é prevista desde 2001 na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e facultativa para estudantes que trabalham, têm filhos ou são maiores de 30 anos, e oferecida em algumas escolas fora do horário regular - fatores que contribuem para marginalizar o estudo das práticas corporais.

"O físico adulto não é imutável ou um amontoado de partes. Está em constante movimento e forma um sistema integrado com o ambiente e a cultura, tal como o infantil. Não há motivo para deixar de estudá-lo e explorá-lo na EJA também", afirma Marcos Neira, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Para planejar as aulas, inclusive as teóricas (que têm prioridade na EJA), é fundamental levar esses pontos em consideração. "Além de ajudar o aluno a se ver como sujeito histórico, é preciso dar meios para ele perceber a diferença entre esforço e movimento, por exemplo. São questões a ser discutidas antes das técnicas específicas, como ensaiar o drible no futebol", explica Lorita Maria Weschenfelder, professora do curso de Educação Física da Universidade de Passo Fundo (UPF).

Fica claro que a disciplina não pode se resumir à recreação ou a reflexões simplistas sobre a qualidade de vida. O professor tem de atuar de maneira intencional, fornecendo subsídios para que os estudantes ressignifiquem o que já conhecem sobre as práticas corporais e desenvolvam novos entendimentos sobre o corpo humano. Confira as três principais estratégias didáticas para colocar tudo isso em prática.

Pesquisa do movimento

Situação que busca responder, com base em observações e estudos, as questões relacionadas aos gestos que fazem parte do cotidiano e aos que são planejados sistematicamente (os exercícios físicos) e ao modo como aparecem no dia a dia do grupo. Isso permite aos estudantes perceber as diferentes culturas corporais desenvolvidas na sociedade e como podem participar delas. Ao perceber o medo de envelhecer sentido pelos alunos do Centro Educacional Sesc Ler, em Gurupi, a 243 quilômetros de Palmas, o educador Iron Lisbôa Júnior propôs que eles estudassem as mudanças do corpo no decorrer da vida e quais as práticas físicas adequadas à terceira idade. "A pesquisa fez com que compreendessem que as mudanças do corpo e de desempenho é algo natural e que se exercitar continua sendo importante e possível", ele explica.

Experimentação das práticas corporais

Proposta para que os alunos entrem em contato com práticas novas ou revivam as que já conhecem (jogos, esportes, danças, lutas e ginástica) de modo consciente a fim de refletir sobre as condições do corpo ao realizá-las: quais membros são mais requisitados? É preciso força ou velocidade para realizar os movimentos? Nessa situação, é importante ter o cuidado de não excluir ninguém e saber lidar com a vergonha e o medo de errar de alguns estudantes. Kenya Barbosa, professora da EE Neidson Rodrigues, em Belo Horizonte, apostou em danças variadas para reunir a turma toda na atividade. "Todos dançaram em pares e cirandas tradicionais", ela conta. Para que a prática dê certo, é fundamental informar aos alunos com antecedência a importância de trajar roupas confortáveis e providenciar que todos interajam, independentemente da idade, o que permite perceber o próprio corpo em comparação com o dos outros.



Análise de atividades corporais

Dinâmica que propõe avaliar diversos movimentos em relação a suas especificidades e a seus benefícios. "A turma é bombardeada constantemente com informações sobre a importância do esporte para a vida, mas geralmente não tem conhecimento para diferenciar o que é importante do que é essencial e por quê", explica Jussara Paim, coordenadora da Educação de Jovens e Adultos da Escola Ilha de Vera Cruz, na capital paulista. Estudar a validade dos exercícios para melhorar o desempenho profissional, por exemplo, é uma das possibilidades de foco dessa proposta. Na instituição, como muitos estudantes trabalham realizando movimentos repetitivos, os professores de direcionaram a análise para as atividades que pudessem minimizar os problemas causados pelas repetições constantes, como o alongamento. "Os alunos precisam compreender o que vão fazer antes de praticar os exercícios físicos e a finalidade deles", argumenta Jussara.

Por Bianca Bibiano

quarta-feira, 7 de março de 2012

FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO: Considerações.

FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO
Dormir Depois do Almoço Engorda?
Não, descansar ou dormir 20 minutos após o almoço pode até melhorar a digestão. Nesse momento, o corpo concentra as energias para o sistema digestivo facilitando o processo. O mesmo não acontece à noite . Neste período, o metabolismo está mais lento. O que vai comer a mais acaba estocando sob a forma de gordura para ser gasto pelo corpo quando estiver em atividade, por isso, antes de dormir o melhor é fazer refeições leves.
Como Medir sua Pulsação e Calcular a Zona Alvo de Treinamento
Segundo McARDLE e col, 1997," a capacidade aeróbica melhorará se o exercício for de intensidade suficiente para fazer aumentar a frequência cardíaca até pelo menos 70% da FCM". Apesar dos indivíduos pensarem que quanto mais intenso for o exercício melhor será para aprimorar o condicionamento, a idéia é falsa , pois, há um limiar onde o indivíduo não obterá ganhos adicionais. Por isso estabelece-se uma Zona Alvo de Treinamento com valores mínimos e máximos para melhor aproveitamento tanto cardíaco como no condicionamento físico geral , de acordo com a idade do indivíduo.
Cálculo da Frequência Cardíaca Máxima
(fonte: Guedes, Guedes, 1995 e Filho, José Fernandes,1999)

ou Clique aqui para calcular automático a frequência cardíaca ideal (Karvonen e col., 1957)
Frequência Cardíaca Máxima (FCM) = 220 - idade da pessoa (Karvonen e col., 1957) - margem de abrangência (desvio padrão)+ ou - 10 até 25 anos e a partir de 25 permite-se uma abrangência maior de + ou - 12. Exemplo: FCM =200, abrangência de 210 limite superior e 190 limite inferior . *Conclusão= FCM pode oscilar de 190 a 210.

Frequência Cardíaca de Reserva = FCM - FC Repouso
Frequência Cardíaca Máxima (FCM para indivíduos destreinados - Sheffield e col,1965) = 205 - (0,42 x idade)
Frequência Cardíaca Máxima (FCM para indivíduos treinados- Sheffield e col,1965) = 198 - (0,42 x idade)
Frequência Cardíaca Máxima (FCM - Jones e col,1965) = 210 - (0,65 x idade)
Segundo João Carlos Bouzas Marins, fisiologista do Laboratório de Performance Humana da Universidade Federal de Viçosa, MG. A

Freqüência Cardíaca Máxima (FCM) não depende apenas da idade, mas também do sexo e o tipo de exercício. Dr. Nabil Ghorayeb, responsável pelo setor de Esporte da Sociedade Brasileira de Cardiologia, “a fórmula antiga traz riscos à saúde e estas novas são mais precisas”. Mas ele lembra que o exame ergoespirométrico ainda é a melhor forma para determinar o limite cardíaco.

Portanto ele sugere: Veja como calcular a sua Freqüência Cardíaca Máxima (FCM):
- Caminhada, corrida e remo (homem e mulher): FCM = 208,75 - (0,73 x idade)
- Ciclismo (homem) : FCM = 202 - (0,72 x idade)
- Ciclismo (mulher) : FCM = 189 - (0,56 x idade)
- Natação (homem e mulher): FCM = 204 - (1,7 x idade)
- (FCT): FC repouso + [(percentual de trabalho) x (FCM - FCrepouso)]

Obs:FC repouso: Em repouso, conte os batimentos cardíacos de 1 minuto.
Percentual de trabalho: Para queimar gordura, use 0,5 ou 0,65. Para a capacidade cardiorespiratória, use o valor 0,75.
Zona Alvo de Treinamento
(Karvonen e col., 1957)
(o indivíduo deve procurar controlar seus batimentos entre
a faixa mínima e máxima durante o exercício)
FCM x 0,60 = frequência cardíaca mínima
FCM x 0,70 = frequência ideal na atividade aeróbica
FCM x 0,85 = frequência cardíaca máxima
FCT = [FCM - FCR (FCM - FC Repouso)] x INTENSIDADE (40%, 50%, 60%, 70%, 80%, 85%,90% ou 95% de acordo com o objetivo)+ FCR (medida 5 minutos após repouso)
ou
Zona Alvo de Treinamento
(o indivíduo deve procurar controlar seus batimentos dentro dos limites inferior e superior, durante o exercício)
(ACSM - fonte: Filho, José Fernandes, 1999 )
FCM=210- (0,65 x idade) (Jones e col, 1975)
FCM=FCbasal + 0,6 (FCM - FCbasal) = Limite inferior (LI)
FCM=LI + 0,675 (FCM- LI)= Limite superior (LS)
FCRecuperação= FCbasal + 0,56 (FCmáx - FCbasal)
Legenda:
FCbasal= média da medida ao acordar, ainda na cama, durante 3 dias consecutivos

Tabela comparativa entre FC e FCreserva
FC FCreserva
100 100%
90 83%
80 70%
70 56%
60 42%
50 28%

Existem 6 zonas diferentes de treinamento que correspondem a diferença de níveis de intensidade de exercício e que correspondem a vários mecanismos de transporte metabólico e respiratório no organismo:
(ACSM - fonte: Filho, José Fernandes, 1999 )
1 -Zona de Frequência FCM VO2 máx Duração Sistema de trabalho Ritmo Máximo Ritmo de Trabalho
Atividade Regenerativa (reabilitação) 40-60% até 40% aprox. 20 min reabilitação cardiorespiratória ou osteomuscular - ritmo do paciente
2 -Zona de atividade moderada 50-60% até 50% + de 30 min queima metabólica caminhada rápida ritmo fácil
3 -Zona de controle de Peso 60-70% até 50% a 60% + de 60 min cardiorespiratória maratona trabalho base
4 -Zona aeróbica 70-80% até 60% a 75% 8-30 min aeróbica 10 km longo
5 -Zona de limiar anaeróbico 80-90% 75% a 85% 5-6 min absorção de lactato 3 km a 5 km tempo
6 -Zona de esforço máximo 90-100% 85% a 100% 1-5 min anaeróbico 800m a
1500 m curto

Tempo de Recuperação de Acordo com a Intensidade do Exercício
50% até 85% = de 6 hrs a 24 hrs
85% até 90% = de 12 hrs a 24 hrs
90% até 95% = de 12hrs a 48 hrs
95% até 100% = - 12 hrs a 72 hrs
» Como Medir a FC de Repouso
» Valores para a FC de Repouso
» Download da Tabela de Zona Alvo por idade
» Percepção Subjetiva do Esforço
A medição da pulsação deve ser tomada com os dedos indicador e médio abaixo da orelha (qualquer lado) antes, durante e após os exercícios. Contando em 10 seg e multiplicando-se em seguida por 6, obtendo o resultado para comparação em sua tabela individual de Zona Alvo de Treinamento.
Teste Para Saber Se Você Precisa Praticar Exercícios
A finalidade do exercício não é somente a proteção do aparelho cardiovascular, mas também a manutenção do bom funcionamento da estrutura corporal. Observe-se e responda:
» No dia seguinte a um maior esforço físico você acorda todo dolorido?
» Você acha difícil curvar-se, virar-se ou fazer uma rotação de tronco?
» Você se sente frequentemente cansado mesmo sem ter feito nenhum exercício especial?
» Tem dificuldades em conciliar o sono mesmo quando está muito cansado?
» Quando você corre pequenas distâncias ou sobe escadas fica sem fôlego
» Você está com seu peso acima do ideal?
Você se sente as vezes deprimido sem motivos?
Se você respondeu sim para qualquer uma das perguntas acima, procure praticar uma atividade física que lhe proporcione prazer. Movimente-se, pois as pessoas que sofrem de cansaço generalizado, sem causas médicas, se beneficiam com "mais" exercícios que com "mais " descanso. ( Alberto e Jacques,1998)

DIFERENÇA ENTRE ALONGAMENTO E FLEXIONAMENTO

INTRODUÇÃO
Muita gente acha que é sinônimo e outros ate confundem os dois termos. Flexibilidade é definida como a total amplitude de um movimento na articulação (grau 0) ou de grupos de articulações envolvidos num determinado esforço com ou sem a ajuda de uma pessoa ou equipamento. Ela não é generalizada, ou seja, podendo ate ser específica para um só movimento na articulação de determinado movimento. Um exemplo seria uma pessoa com ótima flexibilidade nos joelhos e péssima nos ombros.
O alongamento enquanto isso é um conjunto de técnicas, exercícios ou manobras terapêuticas que tem por objetivo alongar (esticar) estruturas de tecido mole para se manter ou aumentar a amplitude dos movimentos de determinada flexibilidade.
Assim sendo, podemos dizer que a flexibilidade é considerada uma valência física e o alongamento o meio para desenvolver esta valência, a flexibilidade.

FLEXIBILIDADE

“É a qualidade física responsável pela execução voluntária de um movimento de amplitude angular máxima, por articulação ou conjunto de articulações, dentro dos limites morfológicos, sem risco de provocar lesão.” (DANTAS).
A flexibilidade é a amplitude de movimentos (ADM), ou seja, o grau de amplitude em que uma estrutura pode se afastar da outra, onde o máximo seria o ângulo de 0º, ao passar disso seria considerada hiperflexibilidade.

Tipos de Flexibilidade
Ativa – é a máxima amplitude que se pode obter através de movimentos efetuados pelos músculos de forma voluntária.
Passiva – é a máxima amplitude articular que se consegue em um movimento através de uma ação de uma segunda pessoa, aparelhos, força da gravidade, etc.

Manifestação
Estática – o componente estático se refere à amplitude máxima de um movimento.
Dinâmica – o componente dinâmico refere-se à resistência ou rigidez oferecida ao movimento dentro de uma determinada amplitude.

Fatores influenciadores da Flexibilidade:
Idade: quanto mais velha a pessoa, menor sua flexibilidade;

Sexo: a mulher, por possuir tecidos menos densos é, em geral, mais flexível que o homem.

Individualidade Biológica: pessoas de mesmo sexo e idade podem possuir graus de flexibilidade totalmente diversos entre si;

Tonicidade Muscular: o tônus muscular é o grau de firmeza dos tecidos musculares. O aumento do tônus muscular poderá prejudicar a flexibilidade;

Respiração: É um fator considerado de extrema importância na aquisição da flexibilidade. Deve ser feita pelo nariz, sendo que a expiração dura o dobro do tempo da inspiração, que deve ser lenta e profunda;

Hora do dia: Ao acordar, todos os componentes plásticos do corpo estão em sua forma original, ocasionando uma resistência aos movimentos de maior amplitude. Por volta do meio dia esses fatores já foram contornados e a flexibilidade atinge seus níveis normais;

Temperatura ambiente: o frio reduz à elasticidade muscular, inversamente, as temperaturas altas ocasionam o relaxamento da musculatura e seu aumento da flexibilidade.

Diferentes Flexibilidades

Flexibilidade Balística: por agente externo, de forma rápida e explosiva, grande possibilidade de causar uma lesão muscular;
Flexibilidade Estática: por agente externo, de forma lenta e gradual, buscando alcançar o limite máximo;
Flexibilidade Dinâmica: expressa pela máxima amplitude de movimentos, voluntariamente, obtida pelos músculos motores, de forma rápida;
Flexibilidade Controlada: É a que permite sustentar um segmento corporal, de forma lenta, numa contração isométrica, realizada numa maior amplitude. Ex: ginastas e dançarinos.
ALONGAMENTO
"Forma de trabalho que visa à manutenção dos níveis de flexibilidade obtidos e a realização dos movimentos de amplitude normal com o mínimo de restrição física possível” (DANTAS).
O alongamento é um conjunto de técnicas utilizadas para se manter ou para se aumentar a amplitude de movimentos, pode ser utilizado como aquecimento ou após atividades físicas, evita a nodosidade muscular. Não tem risco de distensão e não há aumento da mobilidade articular.
Não força a articulação, os componentes plásticos são deformados pelo trabalho, os componentes elásticos são estirados ao nível submáximo e os mecanismos de propriocepção e os terminais nervosos da dor não são estimulados.
Tipos de Alongamento
> Estiramento: É o alongamento que pode ser feito, sozinho, com um parceiro ou em equipamento. Deve-se alongar até atingir o limite dos arcos de movimento. Existem três tipos:
- Passivo: Consiste em manter a amplitude do movimento durante vinte segundos, ou mais, se for relaxando com o tempo. De três a cinco series.
- Ativo: Consiste em alongar até perto do limite e dar pequenas forçadas( nº de repetições), fazer de duas a três series de 6 repetições. Se fizer muitas repetições o trabalho irá se transformar num flexionamento.
- Misto: Consiste em forçar até perto do limite, fazer quatro repetições e depois segurar mais quatro segundos no ponto máximo atingido. É a forma de alongamento mais adequada para se usar de alongamento.

> Suspensão: Nesse tipo são trabalhados os músculos e os ligamentos, as articulações não apresentam movimento. Consiste em se pendurar e ficar suspenso, por no máximo vinte segundos. Esse alongamento ajuda a retirar a água e os catabólicos provenientes das contrações musculares.

> Soltura: Consiste em balançar os músculos, muito tradicional em nadadores, que balançam o tríceps. Pode ser feito por um companheiro. É relaxante pois provoca a desconexão das ligações de actina-miosina remanescentes.

Reflexo de Alongamento

Os músculos estão protegidos por um mecanismo denominado reflexo de alongamento. Toda vez que estirar excessivamente as fibras musculares (seja por balanceios ou por excesso de alongamento) há a resposta do reflexo neuronal, que envia um sinal para os músculos se contraírem, o que impede que os músculos sejam lesionados. Portanto, quando você faz um alongamento desmesurado está contraindo os mesmos músculos que está querendo alongar.

Resposta Elástica X Resposta Plástica

Quando se alonga um músculo, ou grupo muscular, sem forçar demais sua amplitude de movimento, é gerado um afastamento do local de origem e inserção do músculo, que chamamos de alongamento. Se este alongamento ocorrer de forma suave e chegar próxima a sua amplitude articular máxima e for mantida a posição por pouco tempo, a fibras musculares se alongam e posteriormente quanto relaxada à postura essas mesmas fibras voltam a sua posição e comprimento normais. Isto é chamado de resposta elástica da musculatura.
Quando, porém o tempo de permanência na postura aumenta, e conseqüentemente tenta-se aumentar a amplitude de movimento, acaba-se gerando uma deformidade plástica na musculatura, onde as fibras perdem por algum tempo sua capacidade contrátil, sendo está situação chamada de resposta plástica da musculatura. Sendo esta resposta a mais significativa para ganhos de amplitude do arco de movimento.
Algumas ocasiões em que se devem evitar exercícios de alongamento

- Sempre que houver evidência de um processo inflamatório agudo ou infeccioso.
- Sempre que um bloqueio ósseo limitar a amplitude articular, deve-se evitar o aumento da flexibilidade.
- Após uma fratura recente.



FLEXIONAMENTO

“Forma de trabalho que visa obter uma melhora da flexibilidade através da viabilização de amplitudes de arcos de movimento articular superiores às originais" (DANTAS).
No flexionamento a articulação é forçada ao seu limite máximo, os componentes plásticos já se encontram totalmente deformados, os componentes elásticos são estirados até o limite máximo, mecanismos de propriocepção são estimulados e os terminais nervosos da dor podem ser estimulados nos limites máximos.
O Flexionamento tem o risco de distenção, aumenta a mobilidade articular, deve ser trabalhado em seção especial e também evita a formação da nodosidade muscular, porém, não deve ser utilizado como aquecimento nem após atividades físicas (exemplo musculação).
Fazendo o trabalho de alongamento você simplesmente mantém a sua flexibilidade. A flexibilidade só é melhorada com a pratica do flexionamento.

Alongamento X Flexionamento

É importante ressaltar a diferença entre alongamento e flexionamento. O alongamento é um processo natural que dura alguns segundos e prepara a musculatura para qualquer atividade e pode ser feito por qualquer pessoa, como costumamos fazer após acordarmos. No entanto, se uma pessoa tem como objetivo ganhar mais flexibilidade, ela necessita de um trabalho mais intenso e de maior duração, que é o flexionamento.

Tipos de Flexionamento

> Método ativo ou dinâmico:
> Método passivo ou estático: alongar um pouco a mais do limite, segurar por seis segundos, fazer novo alongamento e segurar por mais dez segundos. Fazer de três a seis series. Esse tipo de flexionamento aumenta a flexibilidade das articulações.
> Método de facilitação neuromuscular proprioceptiva (FNP): Esse método foi inicialmente criado para fins terapêuticos, a partir daí, foi criado um método baseado no método Kabat, para aplicar em ginastas, nadadores e bailarinos.

BENEFÍCIOS DO ALONGAMENTO

* Aumento da temperatura; ativa a circulação;
* Reduz o risco de entorse articular ou lesão muscular;
* Reduz a irritabilidade muscular; relaxa a musculatura;
* Torna o músculo mais forte e resistente;
* Benefícios para a coordenação, pois os movimentos tornam-se mais soltos e fáceis;
* Facilita atividades como: corrida, dança, tênis, natação, ciclismo, na medida em que prepara o corpo para a atividade. Fazer alongamentos nessas situações é como sinalizar para os músculos que estão prestes a ser utilizados;
* Desenvolve a consciência corporal. Melhorando a postura, conforme alonga, as várias partes do seu corpo, você as focaliza e entra em contato com as mesmas. Você aprende a conhecer-se;
* Ajuda a liberar os movimentos bloqueados por tensões emocionais, de modo que isto aconteça de forma espontânea;
* Reduz as tensões articulares provocadas por músculos muito encurtados, que na maioria das vezes são responsáveis por problemas articulares (principalmente em idosos ou em indivíduos que se viciam em posições erradas do dia a dia);
* Aumento da eficiência mecânica por permitir a realização dos gestos desportivos em faixas aquém do limite máximo onde a resistência ao gesto é maior;
* Permite a realização de gestos e movimentos que sem esta seriam simplesmente impossíveis;
* Diminuição de riscos de lesões e distensões, apesar de não confirmado experimentalmente;
* Propicia condições para melhoria da agilidade, força e velocidade, reduzindo a deteorização física associada com a idade;
* Aumenta o relaxamento muscular;
* Reduz a resistência tensiva muscular antagonista e aproveita mais economicamente a força dos músculos agonistas.

OBJETIVOS DO ALONGAMENTO

* Restaurar a amplitude de movimento normal na articulação envolvida e a mobilidade das partes moles adjacentes a esta articulação;
* Prevenir o encurtamento ou tensionamento irreversíveis de grupos musculares;
* Facilitar o relaxamento muscular;
* Aumentar a amplitude de movimento de uma área particular do corpo ou corporal de forma geral antes de iniciar os exercícios de fortalecimento;
* Reduzir o risco de lesões músculo-tendinosas (tendinite).

INDICAÇÕES DO ALONGAMENTO

* Quando a amplitude de movimento de uma articulação estiver limitada por contratura ou outra anormalidade das partes moles que levam ao encurtamento dos músculos, tecidos conjuntivos ou tecidos epidermais;
* Quando a limitação da movimentação da articulação causa deformidades esqueléticas evitáveis que podem influenciar na simetria corporal e postura;
* Quando os músculos tensos ou encurtados interferem na atividade de vida diária ou na atividade física;
* Quando existe um desequilíbrio muscular, ou quando um músculo esta fraco e o tecido oposto tenso. Estes músculos precisam ser alongados o suficiente para obter uma significativa amplitude de movimento antes que os exercícios de fortalecimento possam se tornar eficazes.

Principais músculos a serem alongados
Pescoço, ombro, braço / antebraço / dedos, tríceps, dorsais, peitorais, posteriores dorsais, peitorais da coxa, quadríceps, adutores, panturrilha.

ALGUNS CONCEITOS ENCONTRADOS

* Flexibilidade
É a capacidade de realizar movimentos em certas articulações com apropriada amplitude de movimento “(BARBANTI, 1994, p.129)”.
"Qualidade motriz que depende da elasticidade muscular e da mobilidade articular expressa pela máxima amplitude de movimento necessária para execução de qualquer atividade física, sem que ocorra lesões anatomo-patológicas” (ARAÚJO, 1987).
"É a qualidade física que condiciona a capacidade funcional das articulações a movimentarem-se dentro dos limites ideais de determinadas ações"(TUBINO,1984, p.181).

* Alongamento
“Apesar de serem simples e fáceis, se realizados incorretamente os alongamentos podem fazer mais mal do que bem. É importante lembrar que cada pessoa tem força, resistência e flexibilidade próprias, não devendo forçar além dos seus limites.”
BIBLIOGRAFIA

* http://www.bestswimming.com.br/conteudo.php?id=3579
* http://www.academiafernandoscherer.com.br/noticias/materia_2609.php
* http://www.cdof.com.br/along.htm
* http://www.vivatranquilo.com.br/vida/colaboradores/cdof/alongamento/mat5.htm
* http://www.saudenarede.com.br/?p=av&id=Aquecimento_e_Alongamento

Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, pp.98-113, Jul/Dez 2006


CURRÍCULO: Política, Cultura e Poder1

Elizabeth Macedo

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro, Brasil

Resumo

A partir da análise de teses e dissertações sobre o campo do currículo no Brasil, o texto problematiza a distinção entre currículo formal e currículo vivido que está na base de parte desses estudos. Argumenta que, embora essa distinção tenha surgido para ampliar o sentido dado ao currículo, trazendo para ele a cultura vivida na escola, a forma como a articulação vem sendo feita tem implicações políticas que precisam ser consideradas. Dentre as conseqüências levantadas estão o fortalecimento da lógica do currículo como prescrição e o privilégio de uma concepção de poder linear. Numa abordagem alternativa, o texto propõe que o currículo seja pensado como arena de produção cultural, para além das distinções entre produção e implementação, entre formal e vivido, entre cultura escolar e cultura da escola. O argumento subjacente a essa abordagem é a de que o currículo é um espaço-tempo de fronteira, no qual as questões de poder precisam ser tratadas de uma perspectiva de poder menos hierárquica e vertical. Isso implica pensar uma outra forma de agência, capaz de dar conta de hegemonias provisórias e da superação da lógica da prescrição nos estudos sobre política curricular.

Palavras-chave: currículo, poder, cultura

Abstract

Departing from the analysis of theses and dissertations in Brazilian curriculum field, this text discusses the distinction between formal and lived curriculum which grounds some of them. Its central argument is that, although the target distinction has been created so as to enlarge meaning attributed to curriculum by including the lived cultures in schools, the way this articulation tends to be done points out to remarkable political implications. Among these implications, this text emphasizes the logic of prescription and a linear conception of power. Therefore, it suggests an alternative approach: curriculum is to be dealt with as a cultural production arena, beyond distinctions between production and implementation spheres, between formal and lived, and between school culture and culture in schools. The basic assumption of this approach is curriculum as a boundary space-time, in which questions related to power should be treated from a less hierarchical and vertical perspective. Its main implication is pondering another kind of agency, so as to grasp temporary hegemonic trends, as well as to overcome the logic of prescription in the studies on curriculum politics.

Key words: curriculum, power, culture ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 98

Currículo: Política, Cultura e Poder

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Desde os anos 1980, a produção teórica em torno da temática do currículo ampliou-se consideravelmente no Brasil. Dados sobre os grupos de pesquisa em andamento no CNPq revelam que há hoje no país, somente na área de educação, 147 equipes dedicadas ao estudo do currículo. Com isso, a produção publicada em livros e periódicos já não se faz dependente da literatura importada, sobretudo dos Estados Unidos e da Inglaterra. O mercado editorial tem contado com muitas traduções, especialmente de autores de matriz pós-crítica, mas, no geral, tais traduções compõem coletâneas em que dialogam com textos nacionais. Julgo que o incremento da produção no campo ao longo dos últimos 20 anos comprova, de forma irrefutável, que nossa reflexão é hoje muito superior a que era realizada nos anos 1980, ainda que Moreira (2002) afirme, em panorama sobre o GT de Currículo da ANPEd, que, naquele espaço, as discussões já foram melhores e mais conseqüentes do ponto de vista da produção de conhecimento no campo.

Pretendo, neste texto, dialogar com um dos principais indicadores da consolidação do campo, qual seja, a produção dos Programas de Pós-graduação. Em estudo recente (Macedo et al., 2005), foram analisadas as teses e dissertações com foco no currículo da educação básica produzidas no período entre 1996 e 2002 por Programas que têm se dedicado à temática de forma institucional. Nada menos do que 27 Programas de Pós-graduação pesquisam especificamente sobre currículo, tendo produzido 453 teses e dissertações nos sete anos analisados. Essa ampliação da preocupação com a temática tem sido acompanhada por certa dispersão no que se entende por currículo2. Neste texto, fixo-me em alguns dos sentidos que têm sido atribuídos ao currículo nos Programas de Pós-graduação que tiveram sua produção analisada. Interessa-me, especificamente, uma distinção que nossas pesquisas têm cristalizado entre currículo formal e currículo em ação3.

Dentre as temáticas enfocadas pelas teses e dissertações, chama a atenção o elevado número de trabalhos cujo principal interesse é a prática curricular, ou o currículo vivido ou praticado. Do total de trabalhos analisados, 43,5% dedicaram-se a esse aspecto do processo curricular. As propostas curriculares, ou o currículo formal, foram o segundo foco de maior interesse, constituindo 22,3% das teses e dissertações. Estranhamente, no entanto, apenas 12,6% das pesquisas trataram de forma mais integrada a prática e as propostas. Ainda assim, esse número correspondeu quase que exclusivamente a estudos que buscaram entender as múltiplas formas de apreensão das propostas oficiais pelos professores em sala de aula ou propor maneiras de fazê-lo4.

O conceito de currículo que temos utilizado em nossas análises parece, portanto, bipartido. Talvez pudéssemos defender que tal distinção entre propostas e prática seja apenas um recorte de pesquisa ou mesmo uma estratégia didática para compreender a multiplicidade envolvida no currículo. Argumento, no entanto, que, embora essa distinção tenha surgido para ampliar o sentido dado ao currículo, trazendo para ele a cultura vivida na escola, a forma como a articulação entre currículo formal e currículo em ação vem sendo feita tem implicações políticas que precisam ser consideradas. Entendo que essa distinção contribui para uma concepção hierarquizada de poder — seja de cima-para-baixo seja de baixo-para-cima — que dificulta a possibilidade de pensar o currículo para além da prescrição. Nesse sentido, aponto como parte de nossa agenda política, como pesquisadores

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do campo, a necessidade de pensarmos um conceito de currículo que o conceba como espaço de produção cultural para além dessas dicotomias. Entendo que desconstruir a necessidade de conceitos como currículo formal e currículo em ação é uma etapa fundamental para que a relação de poder no currículo seja pensada de forma oblíqua, como define Garcia Canclini (1998). É isso que buscarei fazer na primeira parte deste texto. Como alternativa, trago, num segundo momento, a contribuição de autores pós-coloniais para pensar o currículo como cultura, em que espero que fique clara uma concepção de poder menos linear.

Currículo formal e currículo em ação: que articulações?

Ainda que Dewey salientasse, desde os anos 1920, que as experiências curriculares transcendiam as atividades planejadas e planificadas nos documentos escritos, somente no final da década de 1960 criava-se um movimento que buscava dar conta do “hiato entre os planos curriculares e a sua aplicação” (Jackson, 1996, p.9). Com esse movimento, o campo veria surgir uma série de adjetivos que tentavam ampliar o conceito de currículo. Uma ampliação que abarcava desde as experiências negativas, não previstas, a que os alunos eram submetidos na escola — currículo oculto (Jackson, 1968) ou currículo não-escrito (Dreeben, citado por Jackson, 1996) — até as ausências de conteúdos ou experiências expressas em termos como currículo nulo. Interessa-me, neste texto, destacar duas dimensões que até hoje permeiam nossas discussões.

Historicamente, poderíamos dizer que começamos a falar em currículo formal e currículo em ação como forma de contraposição à noção burocratizada das teorizações tradicionais do campo que acentuavam os documentos legais e as políticas institucionais como foco dos estudos em currículo. Em texto datado de 1971, de grande influência nos Estados Unidos e em autores que viriam a ser traduzidos no Brasil, Greene (1977) defendia, numa matriz fenomenológica, que o currículo precisava se abrir à experiência dos sujeitos, definindo o que até então se denominara por currículo como saber socialmente prescrito a ser dominado. Propunha, dessa forma, a superação da idéia de um documento preestabelecido por uma concepção que englobasse atividades que permitissem ao aluno compreender seu próprio mundo-da-vida. Ainda que a proposição de Greene não tivesse por objetivo contrapor as dimensões formal e vivida, mas enfatizar aspectos até então pouco presentes na teorização curricular, contribuía para um alargamento do conceito de currículo. Ficava claro que as experiências de sala de aula, o ensino ou o que, para as teorias tradicionais, consistiria na implementação do currículo deveria fazer parte das discussões. No que poderíamos chamar de um mesmo movimento de reconceptualização do campo, também os autores de filiação marxista, embora priorizassem a análise e a denúncia das dimensões ocultas do currículo (Apple, 1993), salientavam a importância de considerar o que ocorria nas escolas e nas salas de aula.

Estava em jogo uma crítica à tradicional separação entre produção e implementação do currículo, mas mais do que isso, a discussão da reconceptualização implicava tentar trazer

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para dentro do que se concebia como currículo a cultura produzida na escola. O diálogo com a tradição, no entanto, moldou essa ampliação que assumiu a forma de acréscimos àquilo que era entendido por currículo — o formal — de outras dimensões, entre elas a vivida. São muitos os termos que definem esse somatório de dimensões: pré-ativo e interativo (Jackson, 1968); como fato e como prática (Young e Whitty, 1977); oficial, percebido, operacional e experencial (Goodlad, 1979); prescrito, apresentado, moldado, em ação e realizado (Gimeno Sacristán, 1988); pré-ativo e ativo (Goodson, 1995).

Em todas essas formulações, independente do fato de se alicerçarem em fundamentos teóricos bastante diversos, fica patente a polarização entre algo que é dinâmico, (inter) ativo, em ação e algo que é estático, pré-ativo, dado. Uma polarização que expressa duas formas de conceber as relações entre currículo e cultura. Tendo em vista a importância que assumiram no Brasil as formulações de Young e Whitty (1977) e de Goodson (1995), trabalharei, nas discussões que se seguem, com as idéias de currículo como fato/pré-ativo e currículo como prática/ativo. Interessa-se, particularmente, entender como essas distinções se associam com uma outra separação — a cultura que é objeto de ensino e a cultura que a escola produz. Defendo que, ainda que Young e Whitty (1977) e Goodson (1995) advoguem a integração entre essas dimensões do currículo, a sua própria existência acaba por reforçar a separação entre produção e implementação de propostas curriculares, consolidando uma visão prescritiva do currículo.

A proposição de Goodson (1995) de que o currículo escrito seja tomado como uma dimensão pré-ativa, como “um roteiro para a retórica legitimadora da escolarização” (p.21), está em acordo com o que Young e Whitty (1977) definiam como currículo como fato. Apesar de esta última definição não se referir especificamente ao currículo escrito, entendo que há uma relação incontestável entre currículo como fato e currículo pré-ativo ou escrito. Para esses autores (Young e Whitty, 1977; Goodson, 1995 e Young, 2000), o currículo como fato designa a idéia de que há um saber externo à escola para ser transmitido via currículo. Trata-se do lugar em que o saber reificado tende a tomar forma como aquilo que deve ser ensinado. Se pensamos no currículo como fato na perspectiva da relação entre currículo e cultura, podemos dizer que essa noção repousa sobre a idéia funcionalista que vê o currículo e a escola como o lugar de transmissão da cultura. Uma idéia, que, numa vertente crítica embasada em Williams (1984), tem servido a uma definição de currículo como seleção da cultura largamente utilizada em nossos textos. Entendo que, mesmo que as abordagens críticas (e pós-críticas) do currículo tenham questionado a ausência de determinadas culturas nessa seleção denominada currículo, assim como as relações de poder que a produz, a cultura permanece sendo tratada como objeto de ensino (Macedo, 2004a).

O conceito de currículo como fato se articula, assim, com o que Forquin (1993) tem denominado de cultura escolar, uma cultura didatizada que cumpre ao currículo transmitir. Nessa formulação, a cultura é vista como um repertório de sentidos partilhados, produzidos em espaços externos à escola. Desse repertório, são selecionados e organizados elementos culturais, num processo que envolve didatização, ou mediação/transposição didática, que compõem o mosaico a que denominamos currículo. Entendo que dizer que tal processo

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expressa e envolve uma luta por legitimidade das culturas na esfera social é insuficiente para uma abordagem crítica do currículo.

A forma aditiva como as preocupações expressas por Greene (1977) vêm sendo respondidas estabelece um outro pólo que busca dar centralidade aos processos cotidianos vividos nas escolas: o currículo como prática (Young e Whitty, 1977) ou o currículo ativo (Goodson, 1995). Trata-se de uma dimensão do currículo que, para Young (2000), parte de como o conhecimento é produzido e não da estrutura do conhecimento em si. O saber e a cultura passam a ser vistos como algo construído pela ação de professores e alunos como sujeitos da escola. Do ponto de vista da cultura, a concepção de currículo como prática daria conta daquilo que Forquin (1993) tem denominado da cultura da escola como um “mundo social” (p.167). A cultura da escola não seria, nesse sentido, algo a ser ensinado, mas a produção simbólica e material que se dá no seio da escola.

Dado o caráter negativo, repetitivo, associado ao currículo como fato em contraposição ao dinamismo trazido pela noção de currículo como prática, era de se esperar que este último ganhasse centralidade nas discussões do campo. A produção bibliográfica na área nesses últimos 30 anos tem mostrado que a dimensão ativa do currículo se constituiu, efetivamente, em foco privilegiado de análise. Trata-se de um grande avanço se consideramos a situação descrita por Greene (1977) em que as planificações burocráticas dos documentos formais eram absolutas. Problematizo, no entanto, essas boas novas, trazendo a preocupação que tem me acompanhado nos meus últimos estudos. Parece-me que, embora tenhamos ampliado o conceito de currículo para dar conta de um conjunto de outras experiências, a marca dessa ampliação é a idéia de um somatório de dimensões não articuladas. Ainda que, a primeira vista, percebamos uma virada no sentido da valorização da dimensão vivida do currículo, isso não parece ter alterado a idéia de currículo como prescrição que estava na base das teorizações tradicionais do campo. Teríamos, assim, mudado apenas de forma periférica o que entendemos por currículo, introduzindo a cultura produzida na escola como parte importante a ser considerada, mas mantendo a lógica de separação entre produção e implementação que está na base dos problemas trazidos por uma concepção burocratizada de currículo. E isso tem implicações na forma como concebemos as relações de poder.

O estudo das teses e dissertações, e possivelmente uma análise mais detida da produção teórica e das propostas curriculares no Brasil, oferece um bom exemplo tanto de como a dicotomia entre currículo como fato e currículo como prática está presente em nossas formulações, quanto de suas implicações políticas. Poderíamos dizer que, num primeiro conjunto de estudos, a centralidade permanece na dimensão pré-ativa, ainda que, em sua maioria, os trabalhos reconheçam a existência da dimensão ativa do currículo. Nesses casos, é comum que uma relação linear de dominação do currículo como fato sobre o currículo como prática seja estabelecida. São trabalhos que denunciam a tentativa de controle da escolarização por meio do currículo pré-ativo ou que o tratam como algo que deve ser incontestavelmente seguido. Neste último caso, tanto se analisa como se dá a implementação dos currículos pré-ativos como são propostos métodos para fazê-lo. Na maioria dos estudos, a dimensão ativa do currículo está presente, mas é apresentada como

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uma esfera direcionada pelo currículo como fato. No geral, as relações estruturais hierárquicas entre uma política estatal e as instituições educacionais são privilegiadas. A denúncia dos mecanismos pelos quais as ações da escola são controladas, a análise dos motivos pelos quais esses mecanismos não funcionam ou, ainda, a oferta de formas pedagógicas que pudessem fazê-los funcionar são os focos principais dessas pesquisas. Em última instância, a centralidade dada ao currículo escrito facilita o que Young (2000) analisa como um deslocamento do currículo dos contextos sociais a que está necessariamente ligado, que propicia a compreensão de que sua dimensão formal é autônoma. Reside subjacente a essa concepção, a idéia de que, se bem aplicados, os documentos curriculares são capazes de alterar a prática, ainda que em muitos casos essa capacidade seja entendida como negativa. Trata-se, em última instância, de um modelo centrado na ação vertical do Estado sobre as escolas, depositário de uma concepção linear de poder. Concepção que leva os estudos a negligenciar os espaços de resistência abertos por ações não previstas, dificultando que sejam vislumbradas alternativas a não ser as relacionadas a modificações na estrutura econômica e política. O papel do professor como formulador do currículo e o espaço da escola como produção cultural é negado em prol de uma leitura mecanicista em que o dia-a-dia da escola é regido por normas que lhe são externas.

É num segundo conjunto de trabalhos que a dimensão ativa e, portanto, a cultura produzida na escola, ganha relevo. São estudos que valorizam as ações potenciais dos sujeitos do currículo, dentre os quais elenco estudos etnográficos da escola com foco no currículo, e, em outra perspectiva teórica, estudos do cotidiano como espaço da prática em que currículos alternativos são produzidos. Freqüentemente, essas teses e dissertações desconsideram os documentos curriculares escritos, entendendo-os como produto da mente de legisladores sem real influência no dia-a-dia do currículo, ou os tratam como o oficial a ser subvertido pela ação dos sujeitos. Young (2000) defende que a noção de currículo como prática desloca o foco para a ação coletiva dos sujeitos, de modo que as práticas dos professores tornam-se importantes ao desafiarem as concepções hegemônicas sobre conhecimento, no entanto salienta que se trata de uma ênfase enganadora. Assim como Goodson (1995), defende que a crença excessiva nas ações subjetivas de professores e alunos limita as possibilidades de compreensão histórica do campo, pois situa as possibilidades de mudança quase que exclusivamente na interação entre professores e alunos. Algumas persistências históricas, como por exemplo, das formas de organização curricular, são menosprezadas, abrindo possibilidades para certo voluntarismo. Nesse sentido, do ponto de vista político, a concepção de currículo como prática “limita nossa capacidade de conceber alternativas que não se baseiem em alguma forma de rejeição utópica dos currículos tradicionais” (Young, 2000, p.43). Entendo que, de forma semelhante a que ocorre com os estudos que privilegiam a dimensão escrita do currículo, a ênfase em sua dimensão vivida autonomiza a resistência e quebra a relação paradoxal entre autonomia e controle que caracteriza o fazer político do currículo (Ball, 1997). Por mais estranho que possa parecer, a dicotomia entre o contexto de produção do texto curricular oficial (currículo como fato) e o contexto de implementação ou produção de um outro texto

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curricular alternativo (currículo como prática) acaba sustentando uma visão linear da relação entre essas dimensões semelhante a percebida em estudos que enfatizam o currículo escrito.

Esses dois blocos em que organizei as teses e dissertações analisadas apontam, a meu ver, para o fato de que não basta enfatizar o currículo como prática para que a escola e o currículo sejam tratados como um espaço de produção cultural. O modelo dicotômico — com articulações do tipo funcionais — que tem guiado a relação entre as dimensões ativa e pré-ativa do currículo propicia o que Goodson (1995) denomina de “ideologia do currículo como prescrição” (p.67). Para o autor, esse modelo mantém o controle e o poder nas mãos das burocracias estatais, concebendo a prática tanto como totalmente controlada quanto como o espaço da libertação, desde que essa libertação não desafie a retórica da prescrição. Crítica semelhante à de Goodson, é realizada por Ball (1997) quando identifica que a maioria dos estudos sobre política curricular está baseada na tradicional separação entre contexto de produção e de implementação dos documentos curriculares. Nesse sentido, a dinamicidade do processo político do currículo é mascarada, induzindo a uma compreensão de poder verticalizada, estruturada — seja o poder dos poderosos, seja o poder dos subalternos5. Julgo possível afirmar, pela análise das teses e dissertações (e também por uma análise assistemática de nossa produção no campo do currículo) que o movimento no sentido da superação da concepção tradicional de currículo, ao salientar suas outras dimensões, não conseguiu dar conta da superação da lógica tradicional. Permanece uma polarização que se alicerça na separação entre um momento de produção de documentos formais e outro(s) de sua implementação. Essa separação tem levado, como argumenta Goodson (1995), a certo desprezo pela dimensão escrita do currículo, mas paralelamente tem fortalecido a lógica do currículo como prescrição que acaba por dar destaque a tal dimensão.

Como forma de superar o modelo que propicia a prescrição, Goodson (1995) Young e Whitty (1977) e Young (2000) têm defendido uma abordagem integrada das dimensões escrita e vivida do currículo. Essa defesa, no entanto, se centra muito mais em salientar a importância do estudo da dimensão pré-ativa, ou dos conflitos envolvidos em sua definição, como resposta ao que têm definido como “uma crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter” (Goodson, 1995, p.21). Forquin (1993), ao defender a relevância da cultura escolar, faz um movimento semelhante destacando que a cultura da escola não deve nos fazer esquecer de um “conjunto de conteúdos cognitivos e simbólicos que (...) constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada” (p.67). Entendo que a preocupação desses autores com a retomada da dimensão pré-ativa do currículo, como anos antes o movimento da reconceptualização fazia com o currículo vivido, explicita a necessidade de trabalharmos com uma concepção de currículo que possa superar essa dicotomia. Havia, naquele momento, um desafio que entendo ainda estar presente. Precisamos pensar o currículo mais como algo que está sendo do que como algo que já foi. Essa tarefa envolve, a meu ver, buscar respostas que dêem conta da dinamicidade do currículo, das relações de hegemonia provisórias nele presentes. Entendo que isso implica pensá-lo como arena de produção cultural, para além das

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distinções entre produção e implementação, entre formal e vivido, entre cultura escolar e cultura da escola. Numa época em que o político parece se confundir com o cultural (Jameson, 2001), julgo tratar-se de uma tarefa política que precisa ser encarada pelo campo do currículo.

Redefinindo o currículo como cultura

Proponho-me, agora, o exercício de pensar as relações entre cultura e currículo para além das distinções binárias entre produção e de reprodução cultural, expressas em termos como currículo como fato e currículo como prática, entendendo ser necessário criar formas que nos permitam tratar o poder numa perspectiva mais oblíqua (Garcia Canclini, 1998). Faço isso dialogando com autores pós-coloniais e apresentando uma definição alternativa de currículo que o perceba como um espaço-tempo de fronteira entre saberes.

Antes de mais nada, julgo necessário esclarecer que não vejo o currículo como um cenário em que as culturas lutam por legitimidade, um território contestado, mas como uma prática cultural que envolve, ela mesma, a negociação de posições ambivalentes de controle e resistência. O cultural não pode, na perspectiva que defendo, ser visto como fonte de conflito entre diversas culturas, mas como práticas discriminatórias em que a diferença é produzida. Isso significa tentar descrever o currículo como cultura, não uma cultura como repertório partilhado de significados, mas como lugar de enunciação. Ou seja, não é possível contemplar as culturas, seja numa perspectiva epistemológica seja do ponto de vista moral, assim como não é possível selecioná-las para que façam parte do currículo. O currículo é ele mesmo um híbrido, em que as culturas negociam com-a-diferença. Desenvolvo o sentido que dou à idéia de negociação tendo por base a literatura pós-colonial, entendendo-a como, de alguma forma, relacionada às noções de diálogo analítico (Ellsworth, 1997), redes (Alves e Oliveira, 2002), conversa complicada (Pinar, 2005), solidariedade (Gilroy, 2001). Não exploro as aproximações e afastamentos entre essas noções neste texto6, optando por me fixar na discussão do deslocamento do poder na perspectiva do híbrido pós-colonial que defendo ser o currículo.

Julgo possível tratar os currículos numa perspectiva pós-colonial, na medida em que não entendo o colonialismo como uma dominação política e econômica, mas fundamentalmente como um processo cultural, como uma tentativa de espraiar pelo mundo uma única forma legítima de criação de significados. Nesse sentido, nossos currículos são também um lugar-tempo em que essa forma é vivida, assim como o são artefatos culturais como livros, filmes, obras de arte. Conceitos como currículo como fato (Young, 2000) e currículo escrito (Goodson, 1995) deram, de certa forma, conta dessa idéia de dominação. Apontaram para a reificação do conhecimento escolar, para a sua externalidade em relação à experiência na/da escola, assim como permitiram questionar sua universalidade e desnudaram seu caráter ideológico. Explicitaram, ainda, a necessidade de dimensões complementares quais fossem o currículo como prática (Young, 2000) e o currículo vivido (Goodson, 1995). Apoiaram-se, no entanto, em concepções binárias que fixaram a

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diferença, justificaram dicotomias entre cultura escolar e cultura da escola e implicaram concepções lineares de poder.

Entendo ser mais promissor, do ponto de vista teórico, buscar pensar o currículo como espaço-tempo de fronteira, permeado por relações interculturais e por um poder oblíquo e contingente. A noção de fronteira tem sido utilizada pelo pós-colonialismo para designar um espaço-tempo em que sujeitos, eles mesmos híbridos em seus pertencimentos culturais, interagem produzindo novos híbridos que não podem ser entendidos como um simples somatório de culturas de pertencimentos. Para Bhabha (2003), a noção de cultura deve ser tomada numa perspectiva interativa como algo constantemente recomposto a partir de uma ampla variedade de fontes num processo híbrido e fluido. É também nessa perspectiva que julgo ser produtivo pensar o currículo.

Nesse sentido, o currículo seria um espaço-tempo de interação entre culturas. Usando a terminologia de nossas coleções Modernas, em que as culturas são vistas como repertórios partilhados de sentidos, poderíamos enumerar um sem número de culturas presentes no currículo. Desde o que chamaríamos de princípios do Iluminismo, do mercado, da cultura de massa até repertórios culturais diversos, dentre os quais freqüentemente destacamos culturas locais. Mas estar na fronteira significa desconfiar dessas coleções e viver no limiar entre as culturas, um lugar-tempo em que o hibridismo é a marca e em que não há significados puros.

É a partir dessa fronteira que entendo ser o currículo que pretendo discutir as questões de poder, argumentando que uma perspectiva de poder menos hierárquica e vertical nos permite pensar uma outra forma de agência. Entendo que essa concepção de poder e de agência é necessária para a superação da lógica da prescrição que tem caracterizado os estudos em políticas curriculares.

A idéia de hibridismo cultural que caracteriza o entendimento pós-colonial da interação entre culturas precisa, no entanto, ser localizada num quadro social marcado por discursos globais extremamente poderosos, sob pena de parecer ingênua. Não se pode esquecer que as experiências de interação entre culturas têm sido muito marcadas por segregação e guetização, ou seja, pela tentativa de fixação de sentidos e de inviabilização da cultura como espaço-tempo de enunciação da diferença. Embora a diferença seja a marca do sistema simbólico a que denominamos cultura — e as classificações binárias sejam parte fundamental desse sistema — elementos que podem perturbar os sistemas classificatórios, ocupando regiões ambivalentes, ambíguas, são freqüentemente banidos ou pressionados para se manter dentro das fronteiras simbólicas estabelecidas pelas culturas. Como alerta Bhabha (2003), não podem ser desprezadas as tentativas do poder colonial de aniquilação das culturas subalternas, com seus procedimentos para marcar as diferenças, fechando classes de coisas e expelindo os elementos não classificáveis. Uma das principais estratégias discursivas do poder colonial para fixar sentidos e inviabilizar a diferença — o estereótipo — é, no entanto, para o autor (2003), ambivalente. E essa ambivalência nos impõe uma outra forma de entender o poder e a agência.

O conceito de ambivalência do poder colonial é fundamental para Bhabha (2003) e é ele que uso também para discutir as relações entre “o saber oficial” do currículo (Apple,

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1993) e os demais saberes presentes no espaço-tempo do currículo. Julgo importante salientar, antes de mais nada, que não pretendo aqui retomar as distinções entre currículo pré-ativo e ativo que critiquei anteriormente. Diferentemente de Ladwig (2003), não estou considerando o “saber oficial” como o saber colonizador do professor ou do currículo pré-ativo. Entendo que os discursos globalizados que o constituem fazem parte tanto dos discursos que aparecem nos documentos escritos quanto de nossas — de professores e alunos — múltiplas formas de agir no currículo. Ou seja, penso o currículo como espaço-tempo de fronteira em que discursos globais e locais negociam sua existência (e inexistência posto que hibridizar significa renunciar à idéia de identidade baseada em raízes de qualquer natureza).

No quadro em que me movimento neste texto, julgo fundamental entender o que chamo de discursos globais e porque os vejo como ambivalentes. Defino-os como os discursos através do qual o poder colonial opera, repletos de estereótipos que buscam fixar os sentidos, eliminar o outro, deslocar a ambivalência para fora do espaço em que pensamos e agimos o mundo. São discursos com ampla mobilidade — o que implica certo universalismo —, mas uma mobilidade que se deve a uma luta política, histórica, e não a características próprias desses discursos que os fazem melhor que as culturas locais. Sua ambivalência reside, portanto, na própria ambivalência do poder colonial tão bem descrita por Bhabha (2003).

Mas como falar de ambivalência de uma dominação tão forte quanto a dominação colonial, seja em sua vertente de dominação política (associada a uma primeira fase do pós-colonialismo) seja entendida como todo tipo de globalismo a que estamos cada diz mais submetidos? Ao fazer o que denomina de “anatomia do discurso colonial” (p.119), de modo a destacar sua ambivalência, Bhabha (2003) trata de seu principal aparato discursivo — o estereótipo — como “um modo de representação complexo, ambivalente e contraditório, ansioso na mesma proporção em que é afirmativo, exigindo (...) que ampliemos nossos objetivos críticos e políticos” (p.110). Trata o estereótipo como fobia e fetiche, argumentando que a situação colonial passa pela articulação de sujeitos diversos de diferenciação (especialmente racial e sexual) e não pode ser entendida se o seu pólo inconsciente não for tratado.

Buscando dar conta da relação entre poder e prazer, que entende caracterizar a situação colonial, Bhabha localiza o estereótipo em três regimes de visibilidade e discursividade: fetichista, escópico e imaginário. A caracterização de Bhabha (2003) do estereótipo como fetiche se apóia na leitura freudiana segundo a qual “o fetichismo é sempre um jogo ou vacilação entre a afirmação arcaica de totalidade/similaridade (...) e ansiedade associada com a falta e a diferença” (Bhabha, 2003, p.116). Nesse sentido, o estereótipo mascara a ausência e a diferença ao mesmo tempo em que ressalta a falta percebida. Estabelece-se, assim, na interação cultural colonial, um jogo de prazer/desprazer, de dominação/defesa. Um jogo ambivalente, no qual o outro é apresentado como a expressão do mal, como o negativo do Eu, mas também como objeto do desejo, como aquilo que suprirá a falta constitutiva do Eu. O preenchimento dessa falta, no entanto, nunca será total, uma vez que estará sempre lembrando o Eu da incompletude de sua cultura. Dessa forma, por mais que o

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estereótipo busque impedir a circulação de significantes como raça e gênero, a não ser como racismo e marxismo, esse impedimento se movimenta numa zona ambivalente e nunca será total.

Em relação à pulsão escópica, o autor sugere que o poder seja entendido como “algo que funciona em relação com o regime de pulsão escópica” (p.118). O prazer de olhar “localiza o objeto vigiado no interior de uma relação imaginária” (p.119), mas a eficácia da vigilância somente será possível com o consentimento ativo daquilo que é vigiado. A ambivalência desse consentimento, que é ao mesmo tempo real e mítico, complementa a compreensão da noção de ambivalência do estereótipo. Por fim, Bhabha dialoga com o esquema lacaniano do imaginário, dentro do qual insere o estereótipo como fetiche. O reconhecimento e o afastamento da diferença produzido pelo poder colonial é relacionado, pelo autor, com as duas formas de identificação associadas com o imaginário lacaniano — o narcisismo e a agressividade. Da mesma forma que o sujeito, na fase formativa do espelho, reconhece-se em uma imagem que é também alienante e fonte de conflito, o poder colonial (e o estereótipo como sua estratégia) reconhece e mascara a diferença. A completude do estereótipo, assim como a da identidade no espelho, é ameaçada pela falta.

Desse tríplice exercício de salientar a ambivalência do poder colonial, Bhabha (2003) conclui que:

O ato de estereotipar não é o estabelecimento de uma falsa imagem que se torna o bode expiatório de práticas discriminadoras. É um texto muito mais ambivalente de projeção e introjeção, estratégias metafóricas e metonímicas, deslocamento, sobredeterminação, culpa, agressividade, o mascaramento e cisão de saberes ‘oficiais’ e fantasmáticos para construir as posicionalidades e oposicionalidades do discurso racista (Bhabha, 2003, p.125).

A descrição de Bhabha do poder colonial, que atua por intermédio do estereótipo que fixa e impede a circulação da diferença, apresenta-o, a meu ver, como muito mais poderoso do que as interpretações hierarquizadas típicas, por exemplo, das análises marxistas. Trata-se de um poder que se espraia contando com fortes mecanismos de manutenção conscientes e inconscientes. Essa força não significa, no entanto, a idéia de um poder absoluto, aliás, muito pelo contrário, sua força parece residir em sua ambivalência. Uma ambivalência que, paradoxalmente, é também o espaço em que se torna possível pensar a agência do Outro.

Parece óbvio que não é possível transpor de forma automática as discussões de Bhabha (2003) para entender as relações entre culturas presentes no currículo pensado como espaço-tempo de fronteira. Entendo, no entanto, que mais do que possível é útil nos apropriarmos de suas análises para dar conta das estratégias utilizadas pelo poder colonial (seja do iluminismo, seja do mercado, seja de classe) também no espaço-tempo da escola e do currículo. Tal apropriação nos autorizaria, a meu ver, a perceber que a negociação entre as culturas presentes no currículo escolar não pode ser pensada de forma hierárquica (e aqui me refiro a uma hierarquia de cima para baixo, mas também de baixo para cima como propõem as pedagogias críticas). Que, ao contrário, se trata de uma negociação muito mais

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complicada que envolve relações conscientes e inconscientes, que obviamente distinções binárias do tipo currículo pré-ativo e currículo ativo não são capazes de dar conta. Nesse sentido, as contribuições do pós-colonialismo — especialmente de Bhabha — nos ajudam a perceber que as culturas globais, ainda que busquem esconder seus hibridismos e seus limites, o fazem explicitando sua incompletude e abrindo espaço para outras temporalidades cotidianas. Esse é o jogo que jogamos não apenas na escola e no currículo, mas também lá. Um jogo em que ainda precisamos entender o que seria vencer.

E o que seria vencer?

Compreender o currículo como espaço-tempo de fronteira cultural e a cultura como lugar de enunciação têm implicações na forma como concebemos o poder e, obviamente, nas maneiras que criamos para lidar com ele. Trata-se, antes de mais nada, de lidar com o poder da perspectiva da cultura pensada como híbrido, o que nos exige uma outra compreensão da noção de hegemonia e agência. Bhabha (2003) enuncia essas preocupações com uma questão que creio fundamental: “qual poderia ser a função de uma perspectiva teórica comprometida, uma vez que o hibridismo cultural e histórico do mundo pós-colonial é tomado como lugar paradigmático de partida?” (p.46), complementando-a com a indagação “comprometida com o quê?” (p.46).

Se o discurso moderno respondia facilmente sobre lealdades políticas a determinados objetos, como por exemplo a classe, assumir o discurso pós-colonial significa aceitar a idéia de fragmentação, de contingências históricas dispersas, que nos exigem encenar outros antagonismos sociais. Com isso, não defendo a substituição de lealdades de classe por outras de raça ou gênero, como temos feito em diversos momentos, mas o pensar a agência numa outra epistemologia, uma epistemologia contingente que confunde as temporalidades históricas. Trata-se de um questionamento do racionalismo das ideologias modernas associado ao progresso. Nas palavras de Bhabha (2003), poderíamos argumentar que a contemporaneidade pós-colonial

produz uma estratégia subversiva de agência subalterna que negocia sua própria autoridade através de um processo de descosedura iterativa, religação insurgente, incomensurável. Ele singulariza a totalidade da autoridade ao sugerir que a agência requer uma fundamentação, mas não requer que a base dessa fundamentação seja totalizada; requer movimento e manobra, mas não requer uma temporalidade de continuidade e acumulação; requer direção e fechamento contingente, mas nenhuma teleologia e holismo (p.257).

Assim, a agência subalterna implica o reconhecimento da diferença, a negociação do agente que está sempre numa posição dialógica. É sempre um processo intersubjetivo, em que o agente está capturado numa trama em que é obrigado a negociar na contingência. É essa idéia de lidar com a diferença, que emerge da cultura como espaço-tempo híbrido e

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que torna o agente um sujeito intersubjetivo, que, como Bhabha (2003), entendo tornar possível a rearticulação das lutas sociais elas mesmas contingentes. Uma rearticulação que implica o “estar junto” em espaços em que tanto a diferença cultural quanto a discriminação estão presentes.

Nesse sentido, essa agência contingente, preocupada com as formas de intervir ideologicamente, repousa sobre a capacidade de negociação, de articulação de elementos antagônicos e contraditórios — sem a perspectiva teleológica — que criam objetivos de luta híbridos. Nesse espaço híbrido de negociação, não existem em uma forma pura referentes políticos que nos acostumamos a usar, como classe, raça, gênero. Para além do questionamento do sentido primordial desses grupos que direcionaram nossa ação política, a agência contingente explicita, ainda, que não há um objeto político homogêneo. A negociação dos pertencimentos é sempre um processo de tradução contingente e de transferência de sentido. Noções como classe (por exemplo), com as quais erigimos nossa noção de agência, têm se mostrado insuficientes num momento de profunda fragmentação em que pululam sub-empregos e empregos temporários. As alternativas teóricas e políticas que precisamos construir devem lidar com essas contingência históricas, as identidades coletivas pós-coloniais precisariam ser reinventadas, se é que é possível criar novas hegemonias num mundo em que os agentes políticos são descontínuos. Um mundo em que imagens e identificações antagônicas compartilham e lutam por espaço e visibilidade. Para Bhabha (2003), “o bloco simbólico-social (não homogêneo) precisa representar-se em uma vontade coletiva solidária” (p.56), o que implica em uma hegemonia que incorpora a alteridade e a iteração.

Acredito que Laclau e Mouffe (2001), apoiando-se nos conceitos de desconstrução e de ponto nodal, dão conta de discutir uma tal hegemonia. Sem abrir mão da idéia de que toda relação hegemônica assume uma dimensão universalista, os autores propõem que é necessário reconceptualizar o sentido de universal e o fazem numa perspectiva pós-estrutural. Para eles, toda cultura ocupa um lugar social particular, o que implicaria a inexistência de totalidades, assim como a impossibilidade de interação entre elas. Nessa perspectiva, não haveria particular, porque todo particular estaria fechado em si e se configuraria como uma totalidade. Ocorre que nas relações sociais são gerados antagonismos que criam cadeias de equivalências entre particulares e obrigam as cadeias a assumir uma representação que transcende as particularidades. Nesse movimento, uma particularidade assume a função universal7, o que Laclau e Mouffe (2001) caracterizam como uma relação hegemônica.

Nesse sentido, toda relação hegemônica é, ao mesmo tempo, universal, contingente e reversível. O projeto democrático passa a ser, então, visto como uma negociação, uma relação de hegemonia que impede sua total realização. Cada posição assumida pelos sujeitos é um processo de tradução e de transferência de sentido que se dá num espaço-tempo presente , disjuntivo, multifacetado e ambivalente. Ou como diz Hall (2003), a ação pós-colonial se centra na “negociação na prática” (Hall, 2003, p.87), sempre agonística.

Ainda me parece claro que, num tempo dominado por discursos globais e homogêneos, por hegemonias que não se admitem transitórias, o “negociar na prática” ou o negociar-

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com-a-diferença exige mobilização política. Ainda que não seja absoluto, e apenas por isso possa ser combatido, o poder colonial nos exige uma articulação estratégica dos saberes de diferentes grupos culturais sem que isso implique a contestação da singularidade da diferença. No entanto, é também verdade que essa dominação, por sua própria natureza híbrida, cria regiões de fronteira em que se torna obrigatório negociar o inegociável e é nessa região que reside nossa esperança de construção de uma política da diferença. É claro que não se trata de uma resistência capaz de surgir do nada, mas de um processo que pode ser construído por aqueles que habitam na fronteira entre diferentes identidades culturais e são capazes de traduzir "as diferenças entre elas numa espécie de solidariedade" (Bhabha, 2003, p.238).

Notas

1 Texto produzido a partir de reflexões da pesquisa Currículo de ciências: uma abordagem cultural, financiado pelo CNPq, pela FAPERJ e pelo Programa Prociência (FAPERJ/UERJ). Esta versão do texto foi escrita tendo por base trabalho inicial apresentado no XIII ENDIPE. A problematização constante da primeira parte deste artigo é a mesma apresentada no ENDIPE, porém a segunda parte foi substantivamente modificada, tendo em vista o debate neste evento. Destaco, especialmente, contribuições das colegas Vera Candau e Carmen Anhorn a que tento, dentro dos meus limites, responder nesta reformulação. O principal desses limites é que minha leitura mais detida do pós-colonial se restringe a H. Bhabha, S. Hall e E.Laclau e C. Mouffe, dos quais tiro a maior parte das categorias teóricas com as quais busco construir este texto. Paralelamente, gostaria de sugerir também que alguns trabalhos de B.S. Santos e N. Garcia Canclini e G. Spivak apresentam questões que também se encontram presentes na literatura pós-colonial com a qual trabalho.

2 Em texto anterior (Lopes e Macedo, 2002), argumentávamos que a construção de novas identidades para o campo tem tornado mais difusa a constituição de uma teoria do currículo.

3 Utilizo, neste momento, a terminologia currículo escrito e currículo em ação, mas quero com isso abarcar outras dicotomias que atendem ao mesmo propósito e que desenvolvo mais adiante.

4 Estudo realizado por Moreira (2002), analisando os trabalhos apresentados em Reuniões Anuais da ANPEd, parece ter observado separação semelhante entre currículo praticado e propostas curriculares.

5 Young (2000) sugere que “por terem sido os pontos de partida dessas pesquisas [em sociologia], os currículos como produtos, e não a produção do currículo na prática de professores e alunos definida em seu contexto mais amplo, são criados problemas, como a separação e as hierarquias entre as diferentes áreas do saber, que nossas teorias e métodos não permitem resolver” (p.45).

6 Em Macedo (2006, no prelo), exploro as relações entre diálogo comunicativo (Burbules, 2003), solidariedade, diálogo analítico e tradução (Santos, 2005).

7 Aqui os autores se apropriam do conceito de ponto nodal de Lacan, defendendo que toda cultura particular pode assumir uma função universal, sem que nenhuma característica própria dessa cultura seja a responsável por isso. Trata-se de um processo de identificação, que torna possíveis transições hegemônicas dependentes do processo político.

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Correspondência

Elizabeth Macedo, Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, Brasil.

E-mail: bethmacedo@pobox.com

Sítio: www.curriculo-uerj.pro.br

Texto publicado em Currículo sem Fronteiras

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com autorização da autora.

Currículo sem Fronteiras, v.6, n.2, pp.114-125, Jul/Dez 2006


CONFRONTOS ENTRE PRÁTICAS CULTURAIS DE INVISIBILIDADE E DE DISPERSÃO: a política de currículo como Fogo de Monturo

Ozerina Victor de Oliveira

Universidade Federal de Mato Grosso

Mato Grosso, Brasil

Resumo

Este texto desencadeia uma análise de efeitos de políticas de currículo desenvolvidas ao final do século XX. Parte-se de depoimentos de professores, pais e alunos, considerados como protagonistas da política de currículo, caracterizando seus efeitos. As questões orientadoras da análise giram em torno das práticas de significação que, direcionadas e/ou enraizadas na educação escolar, dão origem a tais efeitos. O processo analítico indica práticas culturais que constroem a noção do currículo como sendo neutro, gerando uma visão apolítica dele e favorecendo a manutenção de relações hegemônicas. Na mesma política, práticas culturais que tomam a comunidade como centro e que se disseminam, potencializam os protagonistas do currículo a construírem novas hegemonias.

Palavras- chave: dispersão de poder, política de currículo, práticas culturais.

Abstract

This text unchains an analysis of curriculum policies effects developed at the end of the 20th century. It starts from teachers, parents and students testimony, considered as protagonists of the curriculum policies, characterizing their effects. The guiding subjects of the analysis are about significance practices that, addressed and/or taken root in the school education, create such effects. The analytical process indicates cultural practices that construct the notion of the curriculum as being neutral, generating a nonpolitical vision of it and favoring the maintenance of hegemonic relationships. In the same policy, cultural practices that take the community as center and that are disseminated by them, make the protagonists of the curriculum more powerful in building new hegemonies.

Key-words: curriculum policy, cultural conflict, power dispersion.

ISSN 1645-1384 (online) www.curriculosemfronteiras.org 114

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Hoje, o pessoal, tanto o professorado como os meninos, eles não ligam muito não, de jeito nenhum. Precisa da gente tá adulando ele pra ir pro colégio. De primeiro não, os meninos achavam bom ir pro colégio. (Ex-professora, trabalhou na rede municipal entre o final dos anos 70 e início dos 80)

[sobre o ensino por projetos] hoje nós estamos assim... fazer porque tem de fazer... que parece que é brincadeira... todo mundo finge que faz e todo mundo aceita. (Ex-coordenadora pedagógica e professora na rede municipal desde os anos 90)

Eu percebo, agora, que esses alunos não têm muita responsabilidade com o ensino porque antes tinha mais, o aluno não faltava muito na escola, os professores pediam tarefa de casa, faziam. Hoje os alunos não estão com muita vontade de estudar não. (Ex-aluno e técnico administrativo da SMERC, desde os anos 80)

A cada dia mais o sistema de ensino está sendo mudado... a mudança mais forte é a questão da não reprovação...essa questão é que acabou com o ensino [...] Agora os alunos não têm que se preocupar com reprovação, tem que ter mais só a freqüência, não tem mais como você tá segurando o aluno não [...] A questão do ciclo, pior ainda, não tem uma continuidade com o professor. O professor trabalha, aí, no ano seguinte já tem outra disciplina diferente, não está no ciclo [...]. (Ex-aluno, professor da rede municipal desde os anos 80)

Hoje a gente se depara muito com a legislação, às vezes você quer fazer uma coisa e aí você não pode fazer porque a LDB não assegura, outra lei não assegura. [...] nesse mundo globalizado nosso, onde as transformações acontecem todos os dias, onde as crianças vêem uma série de informações diferenciadas que chamam mais atenção que nós. Na sala de aula, ultimamente, nós estamos sendo professor de quadro, giz e mimeógrafo [...] Essas inúmeras informações, essas inúmeras teorias tem nos deixado assim muito perdidos sabe, eu tenho me sentido assim [...]. (Ex-coordenadora pedagógica e professora da rede municipal desde os anos 80)

Esses depoimentos de pais, professores, ex-professores, coordenadores pedagógicos e ex-alunos foram extraídos de uma pesquisa delimitada em torno do processo de produção da política de currículo, ocorrido nas três últimas décadas do século XX, em um município do Estado de Mato Grosso1. Embora situados em uma realidade histórica específica, lembram muitos comentários que, cotidianamente, se houve sobre a educação escolar. Eles dizem respeito à falta de clareza dos fins da educação escolar, expressos na falta de disposição dos alunos para freqüentar as escolas e dos professores e pais para se engajarem no processo de ensino, bem como nas diversas orientações teórico-metodológicas direcionadas às escolas, vindas de diferentes instâncias do Estado e de outros espaços, com poder de intervenção nos currículos escolares.

Ao enfocar essa problemática a partir do campo do currículo, a questão orientadora deste texto gira em torno das práticas de significação que, direcionadas e/ou enraizadas na de significação como política cultural, a qual, relacionada à educação escolar, pode ser concebida como política de currículo, indaga-se, inicialmente, sobre o que ocorre nessas políticas para que produzam desmobilização, descrédito e despotencialização dos

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protagonistas do currículo na educação escolar pública.

Em resposta, defende-se que tais efeitos resultam de um processo de configuração e aprofundamento de uma política de currículo composta por práticas culturais de invisibilidade das relações de poder. Tendo em vista a realidade histórica focalizada, essas práticas culturais se apresentam por quatro vias: a) burocratização das relações na definição dos currículos; b) formação profissional, organização do trabalho e contratação dos professores; c) multiplicidade de intervenções, ações e programas nos currículos e; d) concepção e organização do conhecimento a ser trabalhado nas escolas.

Burocratização das relações na definição dos currículos

No decorrer do processo da política de currículo, abordado na pesquisa fonte deste texto, encontra-se a existência de relações burocráticas. Recorrendo-se a Kliebard (1980), para abordar a relação entre burocracia e currículo, entende-se a burocratização como a presença da racionalidade técnica, caracterizada pela lógica da eficiência e da eficácia, tomada do taylorismo, na organização do currículo das escolas. Isto significa que a burocratização implica a presença da lógica da modernidade neste currículo.

Levando-se em conta a própria lógica da modernidade e, portanto, a presença de um Estado Moderno como um espaço de práticas culturais, a burocratização do currículo também implica o significado de burocracia abordado por Weber (KLIEBARD, 1980, p.109). Isso porque o referido autor compreende a burocracia na perspectiva da análise de linhas complexas de poder e de influência dentro das organizações (id., ibid., p.109). No caso da pesquisa fonte deste texto, a burocracia executiva do Estado Moderno.

Essa linha complexa e de influência se apresenta como uma prática cultural, porque incorpora a eficiência e a eficácia como modo de funcionamento “natural” do Estado, legitimando a racionalidade técnica não só nesse espaço como também em outros, entre eles, o currículo escolar.

Inicialmente, essa burocracia executiva se estende ao currículo escolar por meio de um conjunto de documentos, na forma de ofícios, direcionados às escolas municipais, com o intuito de solicitar dados de matrícula, de progressão dos alunos e fornecer programações de atividades a serem efetuadas, pela escola, nas datas comemorativas.

Devido à relação entre instâncias do Estado e escolas se reduzir a um escasso pacote de instruções – porque fornecido somente nas datas comemorativas cívicas –, parece, em um primeiro momento, haver uma ausência de orientações pedagógicas direcionadas às escolas. No entanto, associando-se o pacote de instruções à vigência da LDB nº 5692/71 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –, como componente do texto de currículo existente nesse momento, não há ausência de orientações pedagógicas, mas a configuração de um currículo burocrático, que prima pelo tecnicismo, pela disciplinaridade, pelo civismo, pela ordem e pela eficiência. Com essas implicações, o currículo correspondente define sua órbita em torno da racionalidade técnica, situando as disciplinas em seu cerne.

No decorrer do processo analisado, ocorre o aprofundamento da burocratização. Tal

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aprofundamento pode ser visualizado não só no formato dos documentos como, em especial, nos dados estatísticos solicitados à escola.

O corpus da fonte documental, que dá sustentação à análise do início do processo da política de currículo compõe-se, predominantemente, de cartas, relatórios descritivo-analíticos, projetos, abaixo-assinados e jornais. Mais ao final do processo, os documentos predominantes são ofícios circulares, declarações, instruções normativas, convocações, quadros demonstrativos, dados estatísticos, atas e relatórios de consumo. Além das implicações relacionadas à predominância destes tipos de documentos, o conteúdo deles está marcado pelo imperativo e pela determinação, característicos da lógica da eficiência presente na racionalidade técnica. Isso pode ser ilustrado com o próprio formato de uma instrução normativa, pois, esta se inicia com o termo determina e encerra-se com os termos publique-se e cumpra-se.

Outro ponto instigante, que compõe o quadro de burocratização do currículo, é uma demonstração da vontade de ter conhecimento das escolas, dos protagonistas que nelas atuam e daquilo que eles fazem.

Registra-se, no processo analisado, um número significativo de documentos, vindos de diferentes instituições e de diferentes instâncias oficiais do Estado, solicitando ou encaminhando dados estatísticos referentes à escola. Geralmente, anexo aos ofícios, segue um formulário ou um quadro demonstrativo já preenchido ou a ser preenchido. Comumente, justifica-se a necessidade dos dados pela disponibilidade e otimização de recursos, bem como pela eficiência e eficácia em seu gerenciamento. Se esse argumento lembra a racionalidade técnica, não é mera coincidência.

Dessa vontade de conhecer e de produzir as escolas, características da burocratização, pode-se dizer que esse currículo tem, na intensificação da vigilância, uma perspectiva panóptica, as quais Bhabha (2003) identifica como estratégias colonialistas, entendidas, aqui, como táticas de dominação, de manutenção das relações hegemônicas.

Em suma, entende-se que, a disciplinaridade, a racionalidade técnica e, portanto, a burocracia executiva do Estado Moderno compõem facetas de uma mesma lógica produtora de uma política de currículo. Essa lógica confere ao currículo uma identidade marcadamente caracterizada por processos técnicos, concorrendo, fundamentalmente, para a produção do significado do currículo como algo “neutro”.

Formação profissional, organização do trabalho e contratação de professores

Sob os aspectos destacados nessa seção, nota-se, no processo da política de currículo analisada, um movimento diacrônico entre melhoria da carreira, melhoria na qualificação profissional do corpo docente e realização de um currículo com perspectivas de construção de novas hegemonias.

No início do referido processo, encontra-se a presença de professores leigos, selecionados pela comunidade escolar conforme seu compromisso político para com essa

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comunidade. No decorrer do processo, os professores foram se qualificando e passaram a ser contratados por meio de concursos públicos, com o critério da qualificação profissional, não mais o do compromisso político.

No que diz respeito à organização do trabalho docente, no início do processo da política analisada, os professores tinham tempo para formação continuada – proporcionada pela Secretaria Municipal de Educação – que incluía o estudo, planejamento e preparação de material didático-pedagógico em suas carga horária de trabalho contratual. No decorrer do processo, cada vez mais, os professores passaram a ter mais qualificação, mais trabalho e menos tempo para formação continuada, bem como para preparação de seu trabalho em sua carga horária. Daí, conclui-se que existe um processo de intensificação do trabalho, concorrendo para uma prática cultural que impinge um significado de “neutralidade” ao currículo.

A referida prática cultural corrobora com a perspectiva de neutralidade porque ocasiona a divisão do trabalho. Nesse momento, a divisão do trabalho docente entre aqueles que planejam, aqueles que executam e aqueles que avaliam, configura um quadro de racionalidade técnica a esse trabalho, portanto, uma prática cultural que confere invisibilidade à dimensão política da luta cultural e, por conseguinte, uma “despolitização” do currículo escolar.

As implicações entre despolitização do currículo escolar e trabalho docente encontram-se relacionadas, ainda, à qualificação profissional. No início do processo da política analisada, os cursos de formação de professores mostravam-se colados à realidade dos estudantes, ou seja, seus currículos eram pensados para e a partir da identidade cultural das pessoas e da luta política do lugar. Já ao final, identifica-se um distanciamento dos cursos em relação à realidade local, conferindo, assim, um distanciamento proporcional dos docentes da rede municipal em relação aos conflitos políticos locais.

A saída de cena das questões políticas na formação de professores pode ter corroborado o não reconhecimento de conflitos no currículo escolar, ou seja, em vez de se ter uma formação de professores colada às necessidades, desafios e conflitos locais, tem-se uma formação cada vez mais distanciada dessas questões, configurando-se, assim, uma prática cultural que concorre para o distanciamento da educação escolar em relação às identidades culturais locais. Por conseguinte, essa formação de professores e os rumos que tomaram a contratação e a organização do trabalho desses profissionais contribuem para a produção do significado de “neutralidade” do currículo.

Multiplicidade de intervenções, ações e programas no currículo escolar

Encontra-se, mais ao final do processo da política analisada, uma multiplicidade de intervenções, ações e programas, vindos de diferentes instâncias do Estado e de outros espaços. Essa multiplicidade, porém, não se identifica somente com a quantidade ou origem de ações e programas, mas, internamente, no próprio processo da política de currículo. Em textos que compõem o currículo, encontra-se, por um lado, um discurso que o caracteriza

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numa perspectiva crítica e democrática; por outro, a prescrição das competências para um currículo que responda aos desafios da referida era pós-moderna, tais como liderança, iniciativa e habilidade de comunicação, marcadamente caracterizadas pela invisibilidade da dimensão política no currículo.

Ainda no que diz respeito à multiplicidade, encontra-se, no decorrer do processo analisado, a intensificação da presença do mercado editorial. No início desse processo, os professores da rede municipal elaboraram uma cartilha a partir da cultura local e a utilizaram na alfabetização. Mais ao final, não se encontra nenhuma cartilha elaborada pelos professores, mas a ampla utilização de livros didáticos de grandes editoras, fortalecendo a moderna idéia de ensinar a partir de um conhecimento supostamente neutro. Isto reforça, por sua vez, a divisão do trabalho docente: as editoras têm legitimidade para pensar o currículo o os professores para colocá-lo em prática.

Quanto à caracterização das ações e programas como práticas culturais que concorrem para o significado de “neutralidade” do currículo, identifica-se a existência de diferentes perspectiva pedagógicas.

Desde o início do processo analisado, nota-se referida existência. No entanto, ela amplia-se, mais ainda, no decorrer do processo. No início deste, encontra-se a presença da pedagogia libertadora, acrescentando-se, no seu decorrer, a presença da etnociência e da etnomatemática, do construtivismo e da pedagogia histórico-crítica; esta última, marcando seu comparecimento por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Essas constantes mudanças, acrescidas à predominância e ênfase nas questões de como o aluno aprende e de como se deve trabalhar o ensino, leva a crer que o currículo escolar se limita a decisões metodológicas, reduzindo-o, assim, a uma questão técnica, imprimindo, portanto, “neutralidade” a ele.

Concepção e organização do conhecimento a ser trabalhado nas escolas

No que diz respeito às implicações da organização curricular, no sentido de aprofundamento da “neutralidade” do currículo, nota-se, no decorrer do processo analisado, o fortalecimento de uma orientação pedagógica fundamentada no construtivismo ou, como se observa no referido processo, na linha construtivista.

Destaca-se que, referida linha se desenvolve em um contexto de deslocamento teórico, ocorrido no próprio campo da educação. Esse deslocamento consiste na passagem de uma predominância de teorias da educação com base social e política, para o alto prestígio de uma base teórica calcada nos saberes psicológicos, movimento que tem sido denominado de psicologização da educação (SILVA, 1993; LAJOUNQUIÈRE, 2000).

A psicologização da educação parece ter sido produzida, entre outros motivos, pela compreensão de que o fracasso escolar ocorre devido a inadequações entre métodos de ensino e estados psicológicos dos estudantes. Isso passou a demandar, dos saberes psicológicos, a programação de métodos de ensino e, em especial, as teorias relacionadas à psicologia cognitiva e do desenvolvimento (SILVA, 1993; LAJOUNQUIÈRE, 2000).

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Em termos locais, a psicologização se apresenta na relação entre decréscimo da presença da pedagogia libertadora e a crescente presença da linha construtivista como texto dos currículos escolares. Desse movimento, pode-se inferir uma preocupação no como ensinar, isto é, com a linha construtivista, a órbita do currículo passou a girar em torno do método.

Uma implicação significativa dessa centralidade está relacionada à presença da lógica da modernidade no currículo, uma vez que, no construtivismo, os significados de como trabalhar os saberes escolares estão marcados pelo processo de individualização, vigilância e controle (SILVA, 1993, p. 4); logo, estão marcados pela racionalidade técnica, contribuindo, sobremaneira, para a construção da suposta neutralidade do currículo.

Considerações intermediárias

Num corolário do exposto até o momento, os excertos apresentados no início deste texto indicam os efeitos da divisão e intensificação do trabalho docente, da multiplicidade de intervenções, da psicologização do currículo, da racionalidade técnica presente na formação e organização do trabalho docente, da lógica estéril e esterilizante da burocratização. O movimento ocorre no sentido da invisibilidade dos conflitos, dificultando o processo de diferenciação, identificação e defesa de diferentes protagonistas e de suas respectivas políticas culturais. Assim, essa invisibilidade vem sendo proporcionada por práticas culturais configuradas numa política que impinge neutralidade ao currículo, construindo o significado de que ele é apolítico. Tais efeitos parecem concorrer para a manutenção de relações desiguais, favorecendo grupos socialmente hegemônicos e fragilizando práticas culturais potencializadoras de novas hegemonias.

Enfim, a intensificação e divisão do trabalho docente, a burocratização, o excesso de intervenções, a psicologização e a racionalidade técnica que tudo permeia têm constituído a invisibilidade da política de currículo, tirando de cena e da pauta a desconfortável discussão/reconhecimento das relações de poder desiguais entre os diferentes protagonistas sociais, bem como da necessidade de nos colocarmos diante delas.

Exercitando a reversibilidade na análise

Os efeitos apresentados até então não ocorrem de modo linear, harmônico e inexorável, o que se observa a partir dos seguintes excertos:

de primeiro tinha briga demais... briga de professores com pais [...] mas naquele tempo foi até bom que o pessoal fazia as coisas assim mais com esforço, mais com coragem. (Ex-professora, trabalhou na rede municipal entre o final dos anos 70 e início dos 80)

em 74 [...] como era vista a escola pela comunidade... a escola que tem os

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conhecimentos, que tem as informações, que tem o contato com os filhos, que tinha o contato com os pais. E a filosofia dessa equipe que tinha o domínio, a hegemonia política do local, [...], eram pessoas intelectuais, conhecedoras do método de Paulo Freire. Já eram idéias novas que vinham pra pregar na escola, que não era só o professor e o diretor que mandava e não tinha contato nenhum com os pais... e começam então a fazer uma escola democrática, onde os pais participavam de todas as decisões. Os pais iam à escola debater os problemas, os professores tinham que ter contato com os pais... a escola aqui era o centro de tudo [...]. (Ex-aluno, ex-professor e diretor da rede municipal, ex-prefeito)

Nós fomos muito exigentes querendo os nossos direitos, principalmente na área de educação. Na área da educação, a gente sentia mais perto da gente... Aquela área da educação servia não só como educação dos filhos, mas também dos pais, mais também como meio de comunicação. Era um veículo de comunicação que nós tínhamos mais próximo era a escola... era só a escola.[...] Houve um tempo que a nossa escola [...] era um meio de comunicação, não só educava pais e filhos, mas também informava... aquela época do cruzado... a gente ficou sabendo e entendeu o negócio através da escola... e aquilo era uma coisa que interessava toda a comunidade. (Mãe de aluno e liderança de movimento popular nos anos 70 e 80)

Os pais naquela época eram outros... tinham mais preocupação com a aprendizagem dos filhos, mesmo que ele fosse um pai analfabeto... ia na escola no mínimo uma vez por semana... procurava saber como é que tava o aprendizado do filho. (Ex-aluno e professor da rede municipal desde a década de 80)

essa aula de alfabetização de adulto amadureceu toda a luta. [...] além de alfabetizar, [...], não era só aprender a ler e escrever, era também aprender a pensar [...] abrir a mente.[...]. (Mãe de aluno e liderança de movimento popular nos anos 70 e 80)

[...] naquela época, na década de 80, quando eu já estudava e já era um pouquinho maior, os pais tinham certeza, os alunos tinham certeza do que queriam, os professores tinham certeza disso sabe, e quando eles tinham que lutar, lutavam. (Ex-aluna e professora da rede municipal desde os anos 80)

Esses depoimentos dizem respeito à luta de trabalhadores do campo por escola, presente na política de currículo analisada. Retomando a indagação inicial, questiona-se, nesse momento, sobre as práticas de significação que geraram tais efeitos.

Na referida política de currículo, a luta por escola encontrava-se conectada à luta pela posse da terra: ao mesmo tempo em que os trabalhadores do campo procuravam garantir essa posse por via institucional, justificavam sua legitimidade lançando mão da presença da escola e do número de alunos nela matriculados. Além disso, concebiam a escola como um espaço onde conseguiriam instrumentos necessários à luta política, na perspectiva de emancipação social.

A luta consistiu, inicialmente, na ação tática pela existência de escolas públicas, não se restringindo à conquista do acesso, mas, também, implicando a luta em torno dos

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conhecimentos, valores e significados a serem produzidos, reconhecidos e distribuídos nas escolas, especialmente no que diz respeito a como organizar essa distribuição e produção. É nessa perspectiva que a luta pela posse da terra encontrava-se conectada a uma luta cultural e, visceralmente, ao currículo escolar.

No início do processo analisado, um grupo significativo de professores atuava sob a influência dos fundamentos da pedagogia freireana: trabalhava mais a partir de temas geradores, por meio de projetos de ensino e com uma cartilha elaborada regionalmente, conforme registro anterior. Na cartilha, encontram-se temas e palavras do universo vocabular dos trabalhadores do campo, fornecendo fortes indicativos da conexão política/cultura no currículo.

No decorrer do referido processo, registra-se, ainda, a presença da etnociência e da etnomatemática compondo o texto curricular. Essa abordagem pedagógica parece ir ao encontro da pedagogia libertadora, porque defende uma perspectiva global, crítica e transdisciplinar de produção do conhecimento, entendendo que este é produzido a partir de ações cotidianas, envolvendo o estabelecimento de relações, situadas em culturas diferentes e em épocas diferentes. Enquanto perspectiva de organização curricular, seu eixo gira em torno da relação entre cognição e cultura, portanto, de modo semelhante à pedagogia libertadora, toma a realidade do conjunto dos alunos como mediadora do processo de ensino.

A julgar pelos depoimentos citados nesta seção, a conexão escola/luta no campo e a presença disto no currículo escolar parece trazer efeitos para a visão de mundo, de si mesmo e para os compromissos políticos de protagonistas do currículo, proporcionando o empoderamento deles.

Em um exercício de reversibilidade, pode-se dizer que, no decorrer do processo, com a presença de outras abordagens pedagógicas, a luta cultural central ocorre entre essa perspectiva e aquela de neutralidade do currículo, a qual foi exposta anteriormente.

Nessa luta, quando um grupo de protagonistas não obtinha o sucesso pretendido em um espaço, se deslocava para outros, com possibilidades de se manter num lugar favorável na luta cultural, ou seja, quando não se faziam presentes no interior da escola, se situavam na formação de professores, ou nos espaços de gestão escolar, ou ainda no espaço dos encontros científicos da educação. Tais espaços, no processo analisado, vão se conectando ao longo do tempo, num movimento de confluência e dispersão.

Na região onde se situa o município focalizado para a pesquisa, a realização do I Seminário de Expansão do Ensino Público Estadual foi desencadeada por uma Secretaria de Educação Municipal, na gestão ligada aos trabalhadores do campo, em consórcio com outros municípios vizinhos. O Seminário foi decisivo para a oferta de cursos de licenciatura na região e, a partir dele, se instalou um Fórum Regional de Educação e uma Mostra de Educação.

O consórcio de municípios realizou diferentes cursos de formação inicial e continuada de professores. Cursos que se mostraram potencializadores, porque qualificavam os professores para a autonomia na organização de seu próprio trabalho – a elaboração da cartilha é um exemplo disso.

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O I Fórum e a I Mostra foram realizadas em 1998, ocorrendo até os dias atuais. Tais Mostras são compreendidas como espaços onde os municípios podem expor experiências educacionais, na perspectiva de socializar problemas e soluções.

Pode-se dizer que a criação do Fórum se mostra significativa, porque ilustra não só a compreensão de como o local, embora situado no global, não pertence a ele; ilustra uma forma de como o local se dissemina para o global: a criação do Fórum se constitui no fortalecimento da luta cultural dos trabalhadores do campo e daqueles que com eles se identificam, porque criou possibilidades não só de manutenção da luta, mas de sua ampliação para outros espaços e outros protagonistas, configurando uma disseminação.

A disseminação (BHABHA, 2003) ou dispersão de poder (GRAMSCI, apud HALL, 2003) teve início no contexto da complexificação da função e organização do Estado Moderno que, embora burocrático, foi tomado por práticas culturais da sociedade civil, com perspectivas de emancipação social. Desse modo, os diferentes protagonistas se alternaram em diversificados espaços e nos distintos momentos do processo da política de currículo analisada, criando possibilidades de construção de novas hegemonias.

Considerações Finais

No processo exposto neste texto, a prática cultural permeada pela racionalidade técnica favorece grupos hegemônicos. Nela, a política de currículo ocorre por meio de uma combinação de burocracia executiva do Estado Moderno, psicologização pedagógica, despotencialização da organização do trabalho docente e certa “poluição” da concepção e organização do conhecimento escolar.

Os procedimentos técnico-formais que caracterizam a eficiência burocrática escondem quem os realizará – qualquer um pode realizá-lo –, e em proveito de quem, uma vez que as finalidades não importam, o importante são os meios. A psicologização pedagógica, por sua vez, tem sua atenção voltada para o como ensinar, para os métodos de ensino e para os estados psicológicos dos estudantes, considerados individualmente. Nesse contexto, o trabalho docente se mostra enfraquecido, uma vez que marcado pela divisão e intensificação, fragilizando o protagonismo social de professores e estudantes.

Nessa política de currículo, a produção, seleção e organização dos conhecimentos, valores e significados escolares são pautadas pela eficiência e pela eficácia. Nesse currículo, a racionalidade técnica lança seus holofotes para os meios, criando uma dicotomia entre meios e fins. Mais do que isso, com tal lógica há uma perda da perspectiva das finalidades do currículo, conforme indicado nos depoimentos que iniciam este texto.

Como protagonistas da política de currículo, professores e alunos não ficam imunes a esse processo, porque perdem autonomia, não desenvolvem a capacidade de governar e de se governar. Isso significa que a política de currículo orientada pela racionalidade técnica é despotencializadora, porque, basicamente, dificulta as possibilidades de auto-identificação. Essa prática cultural que favorece grupos hegemônicos esconde a dimensão política da luta cultural e, portanto, ocultam a própria política de currículo.

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Ao considerar o processo da política de currículo, reconhece-se que ela se encontra marcada pela simultaneidade da presença dos seus diferentes protagonistas e pela mistura entre lógicas locais e distantes na sua configuração, o que vem caracterizar seu caráter reversível e a disseminação. Essa política cultural se mostra potencializadora, porque possibilita o reconhecimento de que a política de currículo, tal como se apresenta no processo analisado, não é uma conversão em massa dos protagonistas e de suas práticas culturais.

Inicialmente, a política de currículo em pauta encontrava-se marcada, predo-minantemente, pela prática cultural de trabalhadores do campo e de quem com eles se identificava, uma prática cultural orientada pela metáfora da libertação. Essa política de currículo não se conformou à condição de governada que o contexto social lhe impunha, naquele momento, questionando a força de determinação de um poder central sobre uma política de currículo local.

Nessa perspectiva, o currículo é pensado a partir de uma combinação de integração pedagógica e emancipação social, configurando a lógica da produção, seleção e organização dos valores, significados e conhecimentos escolares. A partir da etnomatemática/etnociência e da pedagogia libertadora, em especial, esses conhecimentos, valores e significados escolares são integrados e/ou organizados por meio de temas. Estes, por sua vez, encontram-se definidos sob as condições sócio-históricas da comunidade, entendida enquanto um grupo sócio-cultural, que se encontra num processo de identificação.

Pode-se dizer, assim, que essa política de currículo tem a comunidade como centro. Em decorrência, o cerne dessa política não é o global;, é o local; não é a disciplina ou o método, é a prática cultural dos seus atores. Esse currículo atinge a lógica do currículo disciplinarizado e burocratizado, porque define sua órbita em torno dos conflitos locais, confrontando a suposta neutralidade do currículo.

Tendo isso em vista, esse currículo abre possibilidades de empoderamento dos protagonistas que se encontram, em especial, na prática cultural que dá corpo a essa política, uma prática cultural que implica na capacidade de governar e se governar.

Emancipação social e integração curricular se apresentam, assim, como uma luta cultural contra o dogmatismo, o fanatismo, a sectarização, a disciplinarização, a burocratização e, enfim, contra a suposta neutralidade do currículo.

Além disso, referida política possui uma lógica local, uma forma local, mas não se encontra fora do global. Numa posição ambivalente, está dentro de uma política de currículo globalizada, mas não pertence a ela.

A política de currículo analisada se apresenta como uma guerra de longa duração, como uma luta cultural, porque significa uma constante busca da construção de novas hegemonias por parte dos grupos nela identificados, em especial, daqueles situados, desfavoravelmente, nas relações sociais. Nessa política, vê-se que as forças hegemônicas empurram as novas hegemonias para trás, mas de repente, quando menos se espera, ela retorna ou irrompe, mantendo-se como fogo de monturo, a metáfora que melhor a representa. O contrário também é verdadeiro, mas o importante é que as forças sociais

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suplantadas em qualquer período histórico particular não desaparecem do terreno da luta; nem a luta em tais circunstâncias é suspensa. (HALL, 2003, p. 310)

Notas

1 Essa pesquisa encontra-se em uma Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, intitulada o processo de produção da política de currículo em Ribeirão Cascalheira – MT (1969 a 2000): diferentes atores, contextos e arenas de uma luta cultural (Oliveira, 2006). O texto que ora se apresenta expõe e amplia parte da análise realizada na tese.

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Correspondência

Ozerina Victor de Oliveira, Professora da Universidade de Mato Grosso, Brasil.

E-mail: ozerina@ig.com.br

Texto publicado em Currículo sem Fronteiras com autorização da autora.

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